Capítulo 113
2741palavras
2023-02-07 09:32
As lágrimas pareciam me acalmar de alguma forma, mesmo que passageira.
Sim, eu pensei em mentir para Heitor. Mas agora, ouvindo da boca de Daniel aquele plano para enganá-lo, foi como um choque de realidade. A mentira já tinha durado tempo demais. Era hora da verdade, independente do que acontecesse depois. Se ele não aceitasse Maria Lua, eu fugiria com ela.
- Eu não quero fazê-la chorar, Babi. Quero que seja feliz. No início eu queria você. Hoje já não me importo. Vou ficar ao seu lado, de um jeito ou de outro. E organizar minha vida, graças a esta bebê, que Salma planejou com tanto carinho e interesse e que no fim das contas, vai aliviar a vida de muita gente.

- Quanto tempo acha que isso vai durar? Acha mesmo que vai conseguir mentir para Heitor a vida toda?
- Você mentiu... Salma mentiu... Todo mundo mentiu para ele. E quando Casanova souber da verdade, eu já estarei morando em outro país, numa bela casa com quintal, piscina, um cachorro, meu carro próprio e um dinheirinho na conta.
- Seu sonho é pequeno. Pode realizá-lo trabalhando, como faz. Sempre o admirei por batalhar tanto em busca dos seus ideais.
- Sempre fui um homem que mais trabalhou do que viveu. Nunca tive férias, porque trabalhar em dois empregos não é nada fácil. Sem contar que num deles eu sou o próprio dono. Ou seja, se eu não dirigir, não recebo. Chega, Babi. Salma jogou a bola... Nos chutamos a gol.
- Daniel, vamos resolver isso de outra forma – propus – Sei que podemos dar um jeito. Não envolva a família de Salma nisso tudo.
Ele levantou novamente e veio até mim, limpando as lágrimas que caíam compulsivamente:

- Não vai ser para sempre, Babi, eu prometo. Vamos enganá-lo um tempo. Depois eu vou embora e você segue sua vida... Daí pode contar a verdade a ele e fazer o que quiser. – A voz dele ficou mansa.
- Não me toque. – Retirei a mão dele com força.
- Eu só segui o plano que Salma começou, Babi.
- Ela não queria que fosse assim.

- Ela queria que Heitor soubesse a verdade. Eu li isso, escrito por ela mesma. Salma se aproveitou da bebedeira dele. Trocou a camisinha, depois de ter furado de propósito – ele riu, passando as mãos nos cabelos, nervosamente – Que puta desgraçada e inteligente.
- Salma se arrependeu do que fez, Daniel. No fim, ela decidiu que o dinheiro não era o mais importante... Porque sabia que eu e Heitor estávamos apaixonados.
Fiquei confusa, lembrando que ela havia pedido, no leito de morte, que Heitor soubesse da verdade. Mas ao mesmo tempo, sempre achei que ela quisesse que ficássemos juntos, nós dois, criando Maria Lua, porque sabia que estávamos envolvidos afetivamente.
Deus, que destino louco, insano, traiçoeiro, nos envolver desta forma...
- Há algo que você realmente ame neste mundo, Daniel? – Perguntei, curiosa, limpando as lágrimas.
Eu sempre soube que chorar não resolvia os problemas. Só acalmava um pouco a dor que apertava o peito, quando o sofrimento era muito intenso.
Se lágrimas impedissem as pessoas de praticarem maldades, Jardel jamais teria feito o que fez por oito anos. Mas ok, ele era passado. E morto, enterrado. Eu mesma já havia me convencido de que ele só era uma sombra, borrada e ficando cada vez mais apagada. Se eu fechasse meus olhos e pensasse nele, não conseguia mais visualizar sua imagem de forma nítida.
Heitor Casanova me fez superar Jardel e oito anos amargos da minha vida. Ele me fez entender que amor não era o que eu julguei sentir. Sofri nas mãos de um viciado e agora estava fazendo tudo errado com o homem que eu amava. Quando Heitor soubesse toda a verdade, independente de como fosse, não me perdoaria.
Não havia desculpas por ter escondido dele a criança por quatro meses. Não haveria desculpas se ele achasse que era “nossa filha” e não só dele. Não havia desculpas por eu estar cedendo a chantagem de Daniel, deixando-o nutrir financeiramente um canalha. Não haveria desculpas, em hipótese alguma. Eu perderia o amor da minha vida... E junto dele, minha filha, a criança que jurei proteger, a quem dei o que tinha de mais sincero e profundo dentro de mim.
Ergui a cabeça e encarei Daniel. Se tinha uma coisa na qual era expert era esperar o tempo passar e curar as feridas. Não foi à toa que levei uma década para ter momentos de paz. E eles chegaram. Ou seja, chegariam de novo. Minha nuvem cinza não existia mais e eu não poderia trazê-la de volta. Maria era muito brilhante para deixar o tempo fechar à minha volta.
- Eu achei um dia que amava você, Babi. – Os olhos encararam os meus, seriamente.
- Que bom que não acha mais. Repetindo: nunca lhe dei esperanças. E não escolhi gostar de Heitor. Pelo contrário, se tivesse opção, não teria sido ele. Não tem noção de tudo que passei até compreender e admitir os meus sentimentos por este homem e entender que o que ele sentia por mim era real.
- Heitor gosta de você... Assim como de qualquer outra mulher que tenha uma boceta para ele enfiar seu pau milionário e uma boca para chupá-lo.
Eu poderia dizer que aquilo doeu em mim, mas vindo de Daniel, não.
- Já falou o que queria? – indaguei. – Pode dar meia volta e ir embora.
- Estou pensando em dormir aqui hoje.
- Eu faço o que você quer, Daniel... Não quero ficar sem minha filha e você já sabe exatamente o meu ponto fraco. Mas prefiro o ódio eterno de Heitor Casanova à acordar e olhar para sua cara quando o dia amanhecer.
Ele deu uma gargalhada:
- Isso não me ofende mais, acredite. Você sempre pisou em mim.
- Fui honesta.
Ele virou as costas e estava se dirigindo para a porta do quarto, de saída, quando perguntei:
- O que fez com o dinheiro de Salma?
Ele não virou na minha direção. Falou de onde estava, ainda de costas:
- Guardei... Vou usar para manipular os pais dela, deixando-os bem longe.
- Por que os envolveu nisso tudo? Não sabe o tipo de pessoa que eles são...
- Eu li os diários, esqueceu?
- Não teme o que Heitor fará com você quando souber a verdade? Porque você sabe que um dia ele saberá, não é mesmo?
Ele virou na minha direção, os olhos brilhantes fixos nos meus, um meio sorriso asqueroso e desprezível nos lábios:
- Até lá estarei feliz... Talvez em Dubai?
Eu gargalhei, divertidamente:
- “Dubairro” a outro, você quer dizer? Porque é o máximo que conseguirá ir, seu desclassificado. Quanto quer para sumir da minha vida?
Daniel riu, parecendo pensativo:
- Por que aceitar um apartamento num prédio sem escadas se posso ter uma cobertura com elevador particular?
- Já esqueceu que você só quer uma boa casa, com quintal e cachorro?
- Em Dubai – ele virou as costas novamente e foi saindo – Hoje é o último dia que faço viagens por aplicativo. Vou largar tudo para ser um homem rico. Obrigado, Salma, querida. – Disse enquanto passava pelo quarto dela.
Não adiantava eu pedir as chaves. Sabia que ele devia ter inúmeras cópias. Sequer o acompanhei até a porta.
Respirei fundo e liguei para Ben, contando o que tinha acontecido. Inicialmente ele só escutou, não reagindo, não falando uma palavra sequer.
Quando acabei, só ouvia a respiração dele do outro lado da linha, desejando imensamente que ele estivesse ao meu lado, amparando-me, com os braços ao meu redor, dizendo que tudo ia ficar bem.
- Você me ouviu, Ben?
- Cada palavra, Babi.
- E... Não tem nada a dizer?
- Tony vai casar.
Fiquei um tempo apreensiva. O que dizer para ele? Ben, querido, eu sinto muito. Agora, por favor: VOLTA PARA CASA, PORRA! Eu e nossa filha precisamos de você.
- Sinto muito. – Respirei repetidas vezes, tentando ficar calma e dar o amparo que ele também precisava naquele momento.
- Eu vim até esta porra de país... Deixei você sozinha com nossa filha e ele vai casar com a vagabunda.
- Chegou a falar com ele, não é mesmo?
- Sim. Tony é um covarde... Um miserável. Nenhum homem vale nada, Babi... São todos iguais.
- E... Você vai voltar agora para Noriah Norte, não é mesmo?
- Eu sei que preciso voltar... Que você e nossa filha precisam de mim. Mas minha vontade é sumir, Babi. E nem sei para onde eu quero ir. Dói tanto, porra. Ele disse “Eu amo você, Ben, mas não vamos ficar juntos. Vou casar com Lorena. Não posso abrir mão de tudo, da minha vida, da minha família... Porque é isso que vai acontecer se eu a deixar neste momento. Ninguém irá me perdoar.”
- Desclassificado de uma puta! Vamos matá-lo, o que acha? Junto com Daniel. Podemos enterrar os dois na mesma cova. Nossos braços agradeceriam o trabalho poupado com a pá.
- Não sei se alguma vez na vida me senti tão triste... Fui usado, entende?
- Ben, não por favor! Não deixe que este desclassificado faça você se sentir assim. Ele não é o único no mundo.
- O único por quem eu me apaixonei... De verdade.
- Volta para casa, Ben.
- Eu... Vou voltar.
- Agora, Ben. Pegue suas coisas e retorne. Aqui você tem amor de sobra. Não precisa mendigar de quem não o merece.
- O que vamos fazer com relação a isso tudo, Babi? E se pegarmos nosso pequeno raio de sol com nome de lua e irmos embora, pra sempre?
- Eu não posso deixar Heitor, Ben. Não sem antes ele saber que tem uma filha.
- Você vai mentir para ele, Babi... De um jeito ou de outro, tudo será uma mentira. Você o enganou por muito tempo. Ele não vai perdoá-la.
- Se ele ficar com Maria Lua é suficiente para mim, Ben. Ele pode me odiar, nunca mais querer me ver na frente. Vou ficar destruída, fechar meu coração para sempre. Mas saberei que nosso raio de sol estará seguro.
- E... Se contarmos sobre Daniel e a chantagem?
- Vou fazer isso, de um jeito ou de outro. Mas primeiro vou esperar resolver a situação dele com Maria Lua. Depois penso no que vou fazer com Daniel. Não vou deixar barato assim. Ele vai entrar na cobertura do CEO... Mas a queda será tão rápida quanto a forma como ele subiu.
- Confio em você. Mas... Às vezes me pego pensando sobre tudo isso... Surreal. E não sei se não fizemos tudo errado.
- E se fizemos, porra? Quem pode nos julgar? Recebemos um bebê do nada, nossa amiga morreu, a criança era filha do homem que eu amava, uma gravidez planejada por meses... Salma botou Daniel para dentro da nossa casa. Ela nos deu a chance de pisar na Babilônia e lá conheci Heitor. Enfim, desde quando isso foi certo alguma vez? Heitor me roubou... Fez a Perrone fechar as portas... E o a vida seguiu.
- Sua ideia, no caso. Mas... Ele fez isso pensando no seu bem. Foi por amor.
- Eu não contei a verdade por amor. Eu vou dizer a verdade por amor... Amor a filha dele. Espero que ele possa me entender. Vou mudar mais uma vez o plano: dizer que Maria Lua é filha dele e pronto. Espero um tempo e vejo a forma como ele vai reagir. Quando estiver completamente apaixonado por ela, conto a verdade, que ele foi vítima de um plano da minha amiga, funcionária dele. Se ele ficar puto, vai ser comigo, não com nossa criança. Se precisar sair da vida dele, saio. Mas Maria Lua estará segura, longe da avó maquiavélica e do vodrasto abusador.
- E... Se ele não quiser a menina?
- A gente vai embora com ela, para bem longe, onde nunca mais nos encontrarão.
- Podemos entrar no guarda-roupas?
- E ir para Nárnia? – eu ri, por um momento esquecendo que o mundo estava caindo na minha cabeça – Vamos nós três para Nárnia e ficaremos lá para sempre, Ben. Aslan nos protegerá, eu tenho certeza... A todos nós.
- Amo você, Babi.
- Amo você, Ben. Agora pega suas malas e volte imediatamente. Preciso de você para contar para Heitor. Não há mais diários... Nem provas. Eu sou uma desclassificada, mentirosa, em busca do perdão após contar uma história absurda, mas verdadeira.
No domingo pela manhã, Sebastian me ligou, confirmando que havia conseguido a certidão de nascimento falsa, com meu nome constando como mãe de Maria Lua Novaes.
Se eu tinha certeza de que estava fazendo a coisa certa? Não, não tinha. Mas eu estava em desespero. Não tinha para onde correr. E contar uma mentira poderia ser ainda mais destrutivo. O ódio dele seria temporário. Heitor iria me perdoar um dia. E se não perdoasse, já estaria afeiçoado à filha. Então meu raio de sol estaria protegido. Esse era o plano. Uma teia de mentiras, vindas desde muito tempo atrás, que só crescia e crescia. E precisava ter fim.
Cinco horas da tarde recebi uma ligação do DESCLASSIFICADO MOR. Meu coração quase saiu pela boca quando vi o nome dele no visor. Foi tão pouco tempo em que o som da voz dele só me trazia amor. Agora começava a ficar um pouco angustiante, por mais que eu o amasse. Ansiedade e medo eram meu novo sobrenome.
- Oi.
- Oi, Bárbara. Estou de volta a Noriah Norte. Vim o mais rápido possível, como você pediu, meu amor.
Um frio percorreu minha espinha. Sim, eu queria imensamente que ele estivesse de volta. Mas parecia que agora que ele estava tão perto, eu já não queria. Como se jogar com o tempo e protelar a verdade fosse o melhor caminho.
- Eu... Fico feliz.
- Estou louco de saudade. Então, aquele jantar de segunda-feira foi transferido para hoje.
- Como assim?
- Sete horas em ponto Anon estará esperando você na porta do prédio. Vista algo elegante, por favor.
- Heitor, não quero sair... Por favor. Podemos ficar... Na sua casa?
- Eu não disse que sairíamos, meu amor. Ficaremos em casa.
- Então por que... Vestir algo elegante?
- Vá se acostumando com esta vida, Bárbara.
Senti meu estômago se contorcer.
- Heitor, eu amo você. – Senti que poderia ser das últimas vezes que eu diria o que sentia por ele.
- Amo você, Bárbara... E nunca deixarei de amar, por toda a minha vida.
- Pode repetir, por favor? – Me ouvi pedindo, enquanto uma lágrima corria pela minha bochecha.
- Não vou repetir pelo telefone, desclassificada. Só pessoalmente agora, enquanto beijo sua boca e minhas mãos tocam seu corpo... Começando pelas costas e descendo pelas nádegas, que apertarei levemente. Depois vou virá-la de costas para mim...
- E eu vou levantar meus cabelos, jogando-os para o lado, por cima do ombro... – Completei, sorrindo.
- E eu vou beijar sua tatuagem, acariciando-a com a ponta da minha língua...
- Quente... Muito quente. E então eu ficarei acesa como brasa e minha pele se arrepiará completamente com seu toque.
- E eu vou dizer no seu ouvido que eu amo você e que vou fodê-la sem pressa, por toda a noite, até o dia amanhecer.
- Vou acordar nos seus braços. E vamos fazer amor de novo... E de novo.
- Não vejo a hora de tê-la aqui, meu amor.
- Eu... Vou levar uma pessoa que preciso que você conheça... Não sei se lembra que eu havia falado sobre isso.
- Lembro. Mandei colocarem mais um lugar à mesa, não se preocupe. Sabe o que ele ou ela gosta de beber?
- Leite!
- Leite?
Suspirei, levando o ar pelos meus pulmões até enchê-los por completo para depois soltar vagarosamente. Falei, com a voz fraca:
- A pessoa não precisa lugar à mesa, Heitor.
- Ela não fica para o jantar?
- Não... Fica para todas as refeições. – Me ouvi dizendo. – Estarei esperando por Anon, na hora marcada.
- Ok.
Não adiantava mais adiar. Era hora da verdade... Ou melhor, da mentira. Mais uma mentira... Só mais uma. A última.
Eu queria muito que ele acreditasse que eu pudesse ser a mãe de Maria Lua. Por hora, talvez isso resolvesse parte dos meus problemas.