Capítulo 108
2336palavras
2023-02-06 11:44
Assim que chegamos em frente ao apartamento, ele disse, me fitando, os olhos ardendo como fogo:
- Posso descer? – Tocou minha perna, deslizando a mão pela parte interna, sob o tecido grosso da calça que ficava completamente estranha e não se adaptava ao meu corpo.
- Eu gostaria muito. Mas não agora... Nem hoje. – Olhei-o com firmeza.
Será que eu deveria contar agora de uma vez? Parecia que nunca era uma boa hora para revelar a Heitor Casanova que ele era pai de uma linda menina de quatro meses, sem sequer saber como a pequena foi concebida.
Eu poderia ser julgada como egoísta ou egocêntrica, por não revelar naquele momento, ou naquela noite pelo fato de tudo estar indo tão bem entre nós de uma maneira que nunca aconteceu antes. Eu sabia que ele precisava saber, mas poderíamos e merecíamos pelo menos alguns dias de paz e amor. Porque apesar de tudo, eu não sabia qual seria a reação dele, já prevendo de início que a negação haveria de uma forma ou de outra. Entre mostrar o diário e as várias partes que ele era mencionado, muito tempo seria necessário para ele processar tudo.
Melhor seguir com o plano: segunda-feira, com tempo, a noite toda para me justificar por algo que eu não tinha feito, tentando fazê-lo entender que, independente do que houve, Maria Lua era sangue do seu sangue.
- Então hoje à noite? – Ele insistiu.
- Eu estarei muito ocupada.
- Com seu emprego de babá? – falou em tom de deboche.
- Sim, com meu emprego de babá. – Senti-me de certa forma ofendida.
- Uma mulher com um futuro brilhante pela frente, podendo trabalhar na North B. e ser reconhecida por seu talento, prefere ficar cuidando de crianças que nem suas são?
- Ela é minha. – Falei, séria, sentindo meu peito arder.
- Eu não quero que esta noite acabe aqui, Bárbara.
- Heitor, por favor... Só não hoje.
- Você vai fugir de novo, Bárbara? – Mirou meus olhos de forma séria, o maxilar tremendo levemente.
- Não! Eu nunca mais vou fugir. Não importa o que mais possa acontecer, ainda assim estarei junto de você, ao seu lado. Mesmo que não queira a minha presença.
- Nunca chegará o dia em que eu recusarei sua presença, Bárbara.
- Amo você. Nos falamos à noite... Eu ligo.
- Vou esperar. E quando nos vemos, então? Amanhã?
- Talvez domingo à noite ou na segunda-feira, no jantar que você vai preparar para mim, Ben e a pessoa que levarei para você conhecer.
Ele sorriu, arrumando meus cabelos para trás da orelha:
- Estou curioso.
Dei-lhe um beijo leve na boca, fazendo menção de sair. Não, eu não podia encerrar e despedir-me sem sentir a língua dele na minha, seu cheiro, seu toque no meu corpo. Voltei o rosto em direção a ele e o encarei:
- Beije-me, namorado.
O meio sorriso de canto de lábios veio junto do beijo voraz e avassalador. Aquele homem fez curso de beijo de língua, certamente. Ou melhor, ele era o professor nesta parte. Eu já tinha 28 anos e parecia meu primeiro beijo cada vez que o sentia dentro da minha boca, sendo com amor, tesão ou os dois juntos.
Era um beijo que não deixava a mínima possibilidade de ficar sem lambuzar a calcinha. Se tivesse uma calcinha, claro.
Afastei-me, com dificuldade, indo, mas querendo ficar ali para sempre nos braços dele:
- A calcinha que ficou na sua casa... Vai para o lixo, junto com as demais? – Questionei.
Os lábios alargaram-se num sorriso maroto, daqueles me fazia precisar de colherinhas de todo o prédio e ainda assim continuar derretendo até não restar Bárbara Novaes nem para contar a história.
- Devo mandar resgatar cinco calcinhas no lixo para precisar de só mais 4 para minha coleção?
- Tamanha minha ansiedade pela décima que posso lhe entregar mais 5 em cinco dias, da mesma forma como foram as outras. – Revidei.
- Não duvido disso... A questão é: tenho cinco e juntando com esta fecho seis. Não tenho dúvidas de que as outras quatro virão mais rápido do que espero. Então terei que trocar as preciosidades por um anel.
Sorri:
- Achei que tinham ido para o lixo.
- E eu seria louco de deixar alguém sequer tocar no que é meu?
- Amo você, desclassificado.
Estava saindo quando ele puxou meu braço:
- Ninguém toca em você, Bárbara... Você é minha, só minha!
Arqueei a sobrancelha, olhando os dedos dele firmes no meu braço:
- Você pode me ter, Heitor... Exatamente da forma que quer. Desde que haja reciprocidade. No momento que tocarem o que é meu da próxima vez, você sentirá na mesma moeda o que sinto cada vez que o vejo com uma destas vagabundas por aí – Joguei-lhe um beijo no ar, piscando os olhos. – Para ficar claro: isso inclui Cindy Connor.
- Só de imaginar Sebastian tocando você, eu sinto vontade de matá-lo.
- Precisamos conversar sobre Sebastian Perrone, Heitor. Seriamente – avisei – E acho que fica para segunda-feira também.
- Devo temer a segunda-feira? – Arqueou a sobrancelha, parecendo preocupado.
- Não! Eu tenho fé na sua maturidade e na capacidade de não se afogar no álcool, como há horas atrás. Você não precisa disso, não é mesmo?
- Talvez não hoje. Um vício para fugir de um passado que já não existe há muito tempo.
- A partir de agora não podemos viver do passado, Heitor. Precisamos focar no futuro. E ele é lindo, eu garanto.
- Terei que esperar mais quantos dias para beijá-la novamente?
Sorri:
- Isso torna o reencontro ainda mais prazeroso.
- Eu poderia beijar sua boca para sempre.
- Sei como se sente... Porque deixar seus braços é como sair de uma cama quentinha num dia gélido de inverno.
Ficamos nos encarando, sabendo que precisávamos ir, mas sem coragem de definitivamente sair.
Eu ansiava pelo que dia que a despedida fosse um até logo até ele voltar do trabalho.
- Preciso mesmo ir... Ou o próximo encontro vai ser comigo quebrada... Porque é o que Ben vai fazer comigo se eu não voltar agora.
- Pode entrar. Vou aguardar até que esteja segura.
- Ok.
- Ainda não funciona a porra do elevador?
- Elevador? O que é isso a não ser um lugar para fazer amor? – ri, virando as costas e abrindo a porta, não olhando para trás, sabendo que isso poderia me fazer desistir de tudo e ir embora com ele para nunca mais voltar.
Nem sei como subi as escadas, pois quando enfiei a chave na fechadura da porta, foi como se eu tivesse vindo voando, levitando pelos corredores que guardavam a escadaria grotesca e cansativa.
Assim que entrei em casa, Ben estava com Maria Lua no colo. Uma pequena mala estava perto da porta.
Quase corri em direção aos dois, abraçando-os, enquanto Maria Lua reclamava da forma como era prensada entre nós.
- Pelo jeito deu tudo certo. – Ele observou, me entregando a pequena, que eu beijava sem parar, sentindo a pele delicada e fina junto do cheiro que eu definia como “perfume de amor”.
- Melhor do que eu esperava. E olha que começou com ele no ofurô acompanhado de duas vagabas.
Ben arqueou a sobrancelha:
- Interessante. Você se juntou a eles, então?
- Claro que não. Botei elas para correr.
Ele me olhou dos pés à cabeça:
- Por meus sais, você está horrível. Quem quereria uma mulher assim, exceto pelo fato de poder vender a marca das roupas estampada nos tecidos?
- Heitor Casanova... Para você ver, ele me quer até com as roupas dele. – Sorri.
- Levou colherinha na bolsa?
- Estou num ponto que colherinha não resolve de mais nada.
- Bem, então agora vocês casam, Maria Lua é dama de honra e vivemos felizes para sempre?
- Quase lá, eu acho. Precisamos de somente quatro calcinhas para este dia chegar.
- Simples, entregue a ele e pulamos uma etapa, indo direto para esta parte.
- O problema é o tempo entre a sexta e a décima. Não é tão fácil assim.
- Ok, contagem regressiva de tempo através das calcinhas da minha amiga. Novo calendário oficial de Noriah Norte.
Olhei no relógio:
- Vá, senão se atrasará.
- Não querendo acabar com seu conto de fadas, mas já imaginando que ele não sabe a verdade, vendo a forma como sorri feliz e sonhadora, aproveito para dizer que Salma menciona sobre o dinheiro que guardou para Malu no diário.
- Você conseguiu achar? Isso é ótimo.
- Li boa parte dos diários, pelo menos das páginas que falam sobre o que ocorreu depois da gravidez.
- E...
- Entre os mais de cinquenta homens com quem ela dormiu depois de Heitor Casanova, menciona que abriu uma conta quando soube que estava grávida. Ela já tinha uma boa quantia guardada, que não diz o valor, mas creio que não era pouco. Nossa amiga ganhava uma boa grana para dançar nas caixas de vidro, fora os presentes pomposos e de valor que o trabalho lhe rendia.
- Programas?
- Não vejo desta forma. Ela transava porque gostava e os presentes somente aceitava. Se não havia um agrado ao final, pelo menos ela teve prazer.
- Isso é... Estranho.
- Mais do que planejar engravidar de um homem que mal conhece para ficar rica? De Salma eu não duvido mais nada.
- Não... Não mais do que isso. Mas concordo que podemos esperar qualquer coisa dela... Mesmo morta.
- A questão é: existe uma conta. O mistério: páginas foram arrancadas do diário.
- Como assim?
- Só daquele caderno. E isso me deixou com a pulga atrás da orelha. Acha que ela poderia ter arrancado?
- Não. Se ela fazia questão de descrever cada passo da sua vida, inclusive um plano sórdido de gravidez, por que arrancaria alguma parte?
- Uma conta tem um cartão... Ou pelo menos deveria. Eu revirei tudo... E não existe nada que nos leve a uma pista deste dinheiro.
- Eu sinto por Maria Lua... Salma fez isso pela filha. E se não encontramos nada, cartão ou número de conta, jamais ela vai receber um centavo do que a mãe lhe deixou.
- Eu não desisti de encontrar. E não é pelo dinheiro e sim por curiosidade. E também pela nossa pequena.
- E se Daniel mexeu no diário e arrancou as folhas que mencionava sobre a conta e pegou o dinheiro?
Ben arqueou a sobrancelha:
- Isto seria coisa de filme. Acho que você implica demais com o pobre Daniel.
- Já ouviu falar em intuição?
- Já ouviu dizer que ela não é nada confiável?
- Talvez a sua... A minha é bem confiável.
Ele revirou os olhos:
- Preciso ir, lindas da minha vida – deu um beijo em mim e outro em Maria Lua. – Mamãe volta logo, ok? Comporte-se e cuide bem da sua outra mãe aí porque ela não tem juízo.
- Ela mandou você se foder.
- Ouvi ela dizer que mamãe Babi é hipócrita.
- Não mesmo... – botei a orelha perto do rostinho dela: - Hum, interessante, ela acaba de dizer que gosta mais da mamãe Babi.
- Sua safada! – ele tocou o rostinho dela – Me disse que eu era a mãe preferida a noite inteira e que gostava mais de dormir comigo do que com Babi.
- Ela disse que não fala com você, só comigo. Que você está inventando tudo isso, mamãe Ben. Mas que quer que você volte com o papai Tony.
Ele pôs a mão no coração, fazendo beicinho:
- Eu amo vocês! E esta coisinha aqui vai ser filha de dois papais e duas mamães. Porque ela é a coisa mais preciosa que existe no mundo inteiro. Eu espero voltar com ele... Do fundo do meu coração. – Voltou a me encarar.
- Boa sorte, amigo! Vai dar tudo certo. Eu sei que vai. Ninguém é capaz de dispensar alguém como você... Só um louco.
Ele pegou a mala:
- Vou sentir saudades.
- Amo você.
- Idem, porém ao quadrado.
Ele fechou a porta e eu olhei para Maria Lua:
- Como assim você tem falado com ele também? Me garantiu que era só comigo que fazia isso.
Passava do meio-dia quando a campainha tocou. Eu nem havia dormido, porque estava em função de Maria Lua, que parecia querer diminuir o espaço entre as mamadas, mesmo a pediatra dizendo que não era bom dar o leite fora dos horários combinados porque ela já estava com peso um pouquinho acima do esperado, especialmente para uma criança prematura.
Atendi e era Mandy. Abracei-a:
- Que surpresa boa, vó. Por que não me avisou que vinha?
- Na verdade vim fazer algumas coisas por aqui e resolvi passar para ver a pessoa mais linda do mundo. – Entrou, indo direto ao carrinho de Maria Lua.
Fechei a porta, escorando-me nela, com os braços cruzados:
- Ei, vó, a pessoa mais linda do mundo está aqui... Não sou mais eu?
- “Sinto muito, Majestade, mas há alguém mais bela que a senhora... E ela se chama Maria Lua”. – Ela fez voz diferente.
- “Espelho, vou aposentá-lo. Você não funciona mais direito. Está ficando velho”. – Retribui a brincadeira.
Mandy pegou a bebê no colo e fitou-a:
- Está colocando farináceo no leite dela?
- Claro que não... Quer dizer, o que é farináceo?
- Ah, Deus. Maria Lua, estes dois estão cuidando muito bem de você. Está cada dia mais linda e perfeita. Só não entendo como conseguiram... Juro que tento entender. Porque os dois são completamente desmiolados.
- Ei, vó, eu e Ben somos as melhores mães que você já conheceu.
- Disso eu não tenho dúvidas. Agora, enquanto eu cuido dela, vá tomar um banho decente, vestir uma roupa normal e vamos sair um pouco. Antes digite no seu amigo Google o que é “farináceo”.