Capítulo 106
2187palavras
2023-02-06 11:43
Assim que entramos pela porta principal do Hospital, não precisamos sequer nos dirigirmos a recepção para sabermos sobre Allan. O segurança encaminhou o senhor Casanova, que parecia ser conhecido em todos os lugares que pisava os pés, diretamente para a recepcionista, que nos guiou até o elevador, que nos levaria até o segundo andar, onde o pai dele estava.
Assim que entramos no elevador, junto da recepcionista, Heitor pegou minha mão. Entrelacei meus dedos aos dele e não pude evitar de ficar olhando aquilo.
- Tudo certo? – Ele levantou meu queixo com a mão livre, fazendo-me encará-lo.

Respirei fundo:
- Sim... Só não quero acordar. E não quero que você esqueça... Nada.
- Eu já disse que não vou. Estou bem. Pode fazer qualquer pergunta, desde a parte depois dos analgésicos – sorriu – Antes disso só lembro de uma louca ameaçando jogar pessoas do alto da cobertura do prédio.
- Jura? Por que será que fiz isso, não é mesmo? Eu sou muito boazinha com você e sabe disso. Deveria ter virado as costas e ido embora.
Ele abaixou a cabeça e falou no meu ouvido, com a voz baixa:
- Tão boazinha que não me deixa funcionar com outras mulheres. Isso é feitiçaria?

Sorri, enquanto colocava meus cabelos para o lado, repousando-os sobre o ombro, posicionando o pescoço levemente para frente, deixando à mostra minha tatuagem:
- Sinto muito, mas o problema neste caso é você, caro CEO, e não eu.
A porta do elevador se abriu e Heitor apertou minha mão com força. A recepcionista saiu e virou na nossa direção, ainda imóveis ao fundo do elevador:
- O seu pai está neste andar, senhor Casanova. – Ela explicou gentilmente.

- Por que neste? Não poderia ser num andar mais alto? – ele olhou para o teto do elevador – Não tinha reparado câmeras nos elevadores daqui.
- Sim, sempre tivemos – ela pareceu orgulhosa e satisfeita. – Por isso somos referência de saúde e segurança em Noriah Norte. Em todos os sentidos, como o senhor mesmo percebeu.
Heitor saiu, levando-me pela mão:
- Vou mandar retirar todas.
Ela arqueou a sobrancelha, enquanto andava pelo corredor branco brilhante, do piso ao teto, com portas da mesma cor.
Até imaginei ter chegado ao céu, no paraíso, por assim dizer. Tudo branco e um anjo esperando por trás de cada porta, para dar boas-vindas. Bem, eu esperava que o céu fosse assim... Tão claro que chegava a arder os olhos. Olhei para o lado: “Porra, cheguei ao céu de mãos dadas com o próprio diabo em pessoa. O homem que exalava desejo pelo olhar, que me derretia com um meio sorriso, que acabava com minha sanidade quando falava ao meu ouvido e que quando me tocava com sua língua fazia-me ir ao inferno e voltar mil vezes.”
Paramos em frente a uma porta que tinha o nome Allan Casanova escrito numa placa branca, em papel plastificado, colado.
- Fiquem à vontade. – Ela sorriu e saiu, despedindo-se.
- Tem certeza de que devo entrar junto? – Perguntei.
- Absoluta. Mas antes de entrar, tenho uma coisa importante a fazer, ou posso parar numa cama ao lado do meu pai, no mesmo quarto de hospital.
Levantei os olhos em direção a ele, preocupada:
- O quê?
Heitor me virou de costas para ele, retirando os poucos fios de cabelos que ainda restavam entre minha nuca e pescoço e desceu os lábios até a tatuagem do meu ídolo, Bon Jovi.
Senti minha pele arrepiar-se ao toque dele, ao mesmo tempo que a calcinha que eu não usava umedecia. Não sei exatamente a paranoia que ele tinha com a tatuagem, mas sabia que ficava completamente louca quando ele me tocava naquela região, parecendo reforçar o desenho tingido na própria pele com a língua.
Fechei meus olhos e fiquei a imaginar se tinha alguém passando por ali, observando aquela cena louca, intensa e quente em frente à porta de um quarto de hospital.
Ele empurrou meu corpo de encontro a porta. Encostei a testa na superfície plana e o senti encaixar-se ao meu corpo, enquanto uma mão descia pela cintura, que apertou levemente.
Arfei, contendo um gemido e a porta abriu-se, fazendo com que eu praticamente fosse jogada para dentro do quarto, com Heitor atrás de mim.
Celine estava com a maçaneta entre os dedos, sem mover-se.
Olhei Allan deitado na cama, os olhos surpresos na nossa direção. Ajeitei-me, arrumei a postura e acenei, com um sorriso tímido:
- Oi... Casavelha! Digo, Casanova! – Puta que pariu, vou matar você, Ben!
- Bárbara! – ele tentou mover-se – Você é um colírio para meus olhos!
Fui até ele, ajudando-o a sentar com cuidado, ainda aturdida com a forma como entrei ali.
A porta fechou-se e Celine parou do outro lado da cama, ao lado de Allan, de frente para mim.
- Não iria em casa buscar minhas coisas? – Allan olhou para ela, enrugando a testa.
- Vou esperar um pouco, querido. Afinal, Heitor e “Babi” acabaram de chegar. – Ela sorriu, meu nome quase soletrado em suas palavras.
- Como está, pai? – Heitor parou ao meu lado.
Allan segurava minha mão:
- Estou bem... Só um mal-estar. Sabe como estes médicos são. Adoram me prender aqui para tirar um pouco do meu dinheiro.
Heitor retirou minha mão da de Allan, enlaçando os dedos aos meus, levando-a à sua boca e dando um beijo no dorso:
- “Seu” colírio. “Minha” mulher. – Falou, em tom sério.
Caralho, que relacionamento estranho pai e filho. Teria Heitor ciúme do pai? Talvez, afinal, Casavelha pegou meio mundo no passado, incluindo minha mãe.
- “Sua mulher”? – Allan nos olhou, confuso – Estão juntos, finalmente?
- Acho... Que sim. – Respondi, olhando para Heitor, que parecia não se importar em assumir nosso compromisso perante a família.
- Sim. – Ele confirmou.
Olhei imediatamente para Celine, que me encarava, sem desviar o olhar, tampouco tentando disfarçar.
- Que boa notícia! – Allan pareceu feliz com a confirmação.
- Mal saiu de um relacionamento e já está em outro? – Celine questionou – O que minha filha significou para você, Heitor? – Cobrou.
- O meu relacionamento com Milena acabou faz tempo, Celine. E você sabe muito bem como começou. Estou com Bárbara porque quero e não por obrigação.
Não consegui evitar um sorriso sarcástico no canto dos lábios.
- Isso quer dizer que Milena sempre foi uma “obrigação” para você?
- Uma obrigação para mim, ou para ela mesma... Pouco importa. Mas caso tenha qualquer dúvida, eu não vou assumir um compromisso com Cindy. Não fiz isso quando estava com sua filha... Agora muito menos. Então, por favor, evite falar coisas das quais não tem conhecimento para Bárbara.
- O que tem acontecido com vocês dois? – Allan levantou a mão, em forma de protesto. – Encerrou. Estamos num hospital.
- Deveria lembrar isso ao seu filho e sua namorada, querido. Levando-se em conta a forma como pararam aqui dentro do quarto.
- São jovens... Deixe-os aproveitarem, Celine. – Allan criticou.
- Como se sente, Allan? Ficamos preocupados. – Toquei a mão dele carinhosamente, percebendo os olhos de Heitor acompanhando meus movimentos ao mesmo tempo que dava por encerrada a leve discussão entre Heitor e Celine.
- Estou bem... Tudo drama. Já passei por momentos piores e nem por isso internei. Até domingo quero estar em casa. E vou estar. Detesto hospitais.
- Então pelo visto não foi nada grave. – Heitor puxou minha mão de volta.
Encarei os olhos claros de Allan Casanova e não pude deixar de pensar que ele poderia ter sido o meu pai. Minha mãe havia saído do conforto de seu lar por aquele homem. E talvez eu sentisse pelo filho dele exatamente o que ela sentiu quando largou tudo por amor.
Destino, coincidência... Enfim, parecia que tudo estava interligado. E como eu queria saber o que de fato aconteceu, da boca de Allan. O que ele realmente sentiu pela minha mãe? O que tiveram, afinal?
Enquanto pensava, não percebi o olhar dele firme no meu:
- Você me lembra muito uma pessoa. – Ele disse de repente, fazendo meu coração bater forte.
Entrelacei meus dedos aos de Heitor, sentindo as mãos trêmulas:
- Quem? – Tive coragem de perguntar.
Vamos, me diga de uma vez que é Beatriz Novaes.
- Claro! – Celine disse, cortando a conversa – Ela lembra a filha da nossa ex-governanta... Como era mesmo o nome dela? Acho até que Heitor também teve um caso com a garota...
- Ela me lembra alguém do passado. – Allan foi firme.
Olhei para Celine e em seguida para ele novamente:
- Um passado que você gosta ou não de lembrar? - Questionei.
- Do passado ele só gosta da parte de ter me conhecido, não é mesmo, querido? – ela alisou o rosto dele de forma mecânica, como que exigindo atenção.
- Não! Antes disso teve a minha mãe. – Heitor disse, entredentes.
- E a minha... – Falei, baixinho, percebendo todos os olhares na minha direção. – A minha vó também sempre diz que lembro alguém do passado dela. Quero dizer... A minha mãe. Mas neste caso, eu quis dizer a mãe de Heitor, já que seria a minha sogra, e não vou conhecê-la. Como se chama a madrasta quando se torna sogra? Seria “sograsta”? – Deus, o que eu quis dizer com tudo isso? Me ajuda Deus!
- Sogra em si já não é bom... Sogra madrasta... – Heitor me olhou - Acho que você atirou pedra na cruz no passado, desclassificada. – Começou a rir, enquanto alisava o queixo divertidamente, tentando se conter.
- Você bebeu, Heitor? – Celine olhou-o seriamente – Você deu bebida para ele? – Encarou-me.
- Não... Na verdade, acompanhei-o nesta visita ao senhor Allan justamente porque estava no apartamento dele quando você ligou. E adivinha o que eu estava fazendo? Jogando todas, eu disse “todas” as bebidas que ele tinha fora. Inclusive... – retirei a chave do bolso – Tenho posse da chave da adega. Só abrirá quando Heitor souber beber socialmente, se é que este dia vai chegar. Um dependente ou viciado nunca se cura se continuar a ingerir pequenas doses que sejam. Ou para ou continua. Não há meio termo.
- Eu não sou um viciado. – Heitor se defendeu.
- Esta é a frase que todo viciado ou dependente diz.
- Você parece entender bem sobre dependência e vícios. Trabalhou com isso ou já fez uso de algo ilícito ou proibido? – Celine perguntou, tentando me pôr em saia-justa.
- Fiz uso de algo ilícito ou proibido – sorri – Usei este homem aqui, na época ilícito porque estava noivo da sua filha. Proibido porque transamos dentro do elevador de uma clínica médica para mulheres.
Ela me fuzilou com o olhar e Heitor novamente gargalhou, incapaz de conter-se.
- Seu vocabulário condiz com a sua classe. – Ela tremeu o lábio de raiva.
- Classe das “degeneradas e depravadas”? – arqueei a sobrancelha – Pelo menos ele só era noivo. Imagina se fosse casado? Ou pior ainda: viúvo. Lutar contra uma esposa oficial, ou mesmo uma que já se foi, mas segue estando no centro das atenções, com um quadro enorme de lembrança na parede, deve ser difícil! Mas fico feliz em dizer que Milena Bayard aprova meu relacionamento com o ex dela. Então não tenho motivos para remoer o que passou no relacionamento gélido deles.
- Eles tiveram um filho... – Ela tentou me vencer, de forma baixa, usando todas as suas armas.
- Chega, Celine! – Heitor falou com a voz firme e alta, fazendo-a parar imediatamente.
- Heitor, já é tarde. Eu preciso ir... Por favor. Ben tem um compromisso e não posso deixá-lo na mão. – Para mim bastava daquilo.
- Mas você chegou agora pouco, Babi – Allan disse – Nem me deixou agradecer por botar juízo na cabeça do meu filho.
- Pai, Bárbara não tem juízo, como botaria juízo em mim? – Heitor colocou o braço sobre meus ombros, puxando-me de encontro ao seu corpo.
Abracei-o, sentindo seu cheiro e todo carinho que ele me dava naquele momento, sem medo, sem mentiras... Tudo real e espontâneo.
- Eu mando seu filho para cadeia, Allan, mas não o deixo beber. – Sorri.
- Da cadeia eu o tiro... Da bebida não consigo sozinho – Allan nos olhou – Obrigado!
- Eu que agradeço, Allan, por este homem aqui. – Olhei no verde dos olhos do homem que eu amava, sentindo-me imensamente feliz, como há tempos não me sentia.
- Não demorem para casar ou ter filhos... – Allan disse – Heitor é meu único filho e não quero morrer sem vê-lo assumir um compromisso formal com você e me darem um neto, Babi.
- Por Deus, isso é loucura. – Celine saiu, indo em direção à janela, furiosa.
- O compromisso eu assumo... O filho já não posso garantir. – Heitor disse.
- Eu fico com a parte da neta, Allan. – Sorri – Talvez venha antes do compromisso.
- Você está grávida, Bárbara? – Allan me encarou.