Capítulo 91
2044palavras
2023-02-06 11:35
A primeira mamadeira que eu e Ben preparamos deu o que falar. Não acertávamos a temperatura e a cada gota que ela sorvia do leite, tínhamos medo que se afogasse.
A fralda que Ben trocou vazou de primeira, sendo colocada do lado contrário. Pomada de assadura? Para que serve isso? Quantas vezes ao dia usamos? Ela deve dormir de lado, de bruços ou barriga para cima? É normal ela dormir tanto? Que horas ela abre os olhos?
- Vamos deixar o celular para despertar de três em três horas. Cada um levanta uma vez para preparar o leite. – Ele sugeriu.
- Ok. Mas ela dorme no meu quarto até comprarmos um berço.
- Isso não é justo. Por que não no meu?
- Salma pediu que “eu” cuidasse dela.
- Mas “eu” comprei todas as roupas que ela tem. E “eu” fui com ela no hospital, porque ela quis que fosse assim.
- Mas exigiu “eu” durante o parto.
- Porque você tinha mais tempo que conhecia ela. Se eu a conhecesse há vinte anos, eu seria o escolhido.
- Ela está registrada no nome do “meu” irmão.
- Porque “eu” tive a ideia. Senão ela nem estaria com a gente neste momento.
- Ela dorme comigo e pronto.
- Não mesmo. Vamos tirar no par ou ímpar.
- É injusto. – Reclamei.
- Você sabe que não.
Tiramos par ou ímpar e ele venceu. Fiquei puta:
- Não vou aceitar.
- Vai sim – ele foi até meu quarto e pegou Maria Lua – Amanhã vamos comprar o berço. Você dorme com ela a próxima noite e depois ela vai para o seu próprio quarto.
- Vou botar uma cama lá para mim.
- E eu também. Então vamos dormir os três juntos, no fim. Porque ela vai me chamar de mamãe também e você não vai poder impedir isso.
- Não, não vou impedir – sorri, abraçando-o – É a nossa filha, esqueceu?
- Sim, “nossa”, com o sangue do Heitor e da Salma, e o nome do Sebastian na certidão – ele riu – Legalmente ela é de todo mundo, menos nossa.
- Eu seria capaz de matar e morrer por ela. – Olhei a pequena criaturinha deitada na cama.
- Eu também... – ele me olhou.
Meu telefone tocou no quarto. Já passava da meia-noite. Continuei ali, olhando para o nosso raio de sol.
- Não vai atender? – Ben perguntou.
- Deve ser spam. Quem me ligaria esta hora?
- Sebastian? Hospital? Sua avó? A Polícia?
Corri até meu quarto. Assim que peguei o celular, a chamada encerrou. O número era desconhecido. Pelo menos eu nunca recebi uma ligação dele. Enquanto tentava redirecionar a ligação, chamou novamente.
- Alô? – atendi imediatamente, apreensiva.
- Senhora Bongiove?
- Anon 1? – me preocupei. – O que houve?
- Eu acho que preciso da sua ajuda.
- Heitor? O que aconteceu com ele? – meu coração disparou, fazendo-me ter uma sensação horrível.
- Ele bebeu... Muito. Tentei levá-lo para casa, mas não quis. Agora está na praia... Ou melhor, tentando nadar. Não vou conseguir pará-lo. Preciso da senhora.
- Me passa o endereço de onde estão. Chegarei aí assim que puder. Já vou sair imediatamente de casa.
- Obrigado, senhora Bongiove.
Peguei o endereço ao mesmo tempo que chamei um motorista de aplicativo. Levaria em torno de uns quarenta minutos para eu chegar na praia onde o desclassificado e bêbado estava.
No fim, briguei com Ben para ficar com Maria Lua e acabei deixando-a nas mãos dele. O pai dela precisava mais de mim mais naquele momento. Se aquele doido fizesse alguma besteira eu jamais me perdoaria. Sem contar que ele era o ar que eu respirava. Por mais que eu tentasse afastá-lo, sabia que ele estava bem, onde quer que fosse. Mas a simples possibilidade de ele estar com qualquer problema fazia com que eu ficasse completamente alerta.
Olhava para o relógio e parecia que o tempo não passava e o motorista andava em câmera lenta. Batia meus pés no chão, ansiosa. Liguei para Anon novamente:
- Oi, Anon. Como ele está agora?
- Deitado na areia... Mas respirando.
- Deus!
- Enquanto estiver deitado fico tranquilo. O problema é que logo em seguida ele levanta e vai para a água.
- Acho que ainda vou demorar uns dez minutos.
- Acho que ele não morrerá até lá.
- Anon, você não está me pregando uma peça, não é mesmo? Porque se eu chegar aí e ele estiver bem, eu afogo você no mar.
- Eu jamais faria isso, senhora Bongiove.
- Estou pensando em matar o motorista, para ele deixar de ser uma lesma. – Olhei para o homem pelo espelho, vendo que ficou um pouco assustado.
Desliguei o telefone:
- Ei, desclassificado, é um caso de vida ou morte. Será que dá para você acelerar esta porra?
- Estou indo o mais rápido que posso. Esta via tem limite de velocidade, senhora.
- E quem se preocupe com isso, porra?
- Quem respeita as leis de trânsito?
Suspirei e me remexi ansiosamente no banco. Os quinze minutos levaram vinte e cinco. Assim que ele estacionou atrás do carro de Heitor, eu paguei e fui entrando na faixa de areia, um pouco escura.
Tentava encontrar Anon e Heitor, mas não os via. Conforme andava mais para dentro, em direção ao mar, a escuridão aumentava. Vi ao longe uma minúscula luz. Fui indo até lá, andando contra o vento, que parecia querer me tirar do chão. Estava frio.
Conforme me aproximei, percebi que saía fumaça da minúscula luz. Era Anon, fumando um cigarro. Assim que me viu, ele largou o cigarro no chão, pisando em cima.
- Não tem como não fumar. Ele vai me deixar louco. – Anon explicou, assim que viu.
Olhei para o mar e vi Heitor, com água na altura da cintura. Andei em direção a ele, vendo uma garrafa de uísque vazia no chão, no caminho.
Não pensei duas vezes. Retirei meu tênis e entrei com roupa e tudo na água fria. As ondas tentavam me derrubar, mas eu seguia indo contra elas. Quando cheguei a um passo dele, parei e olhei suas costas, a roupa molhada, o corpo cambaleante conforme o vai e vem da correnteza. Deus, eu amava aquele homem loucamente. O que me deu na cabeça quando o dispensei, comparando-o com Jardel?
Parei ao lado dele, olhando para a escuridão do mar, mesclado ao céu estrelado.
- Quer se matar? – perguntei.
A cabeça dele virou na minha direção e não disse nada.
- Vai me ignorar? – Insisti.
- Vá embora, assombração.
- Assombração? – eu ri. – Tenho cara de assombração para você?
- Tem...
- Hum, eu sou uma droga, não é mesmo? – relembrei as palavras dele. – Mas eu acho que posso ser uma droga melhor que o seu uísque, desclassificado mor.
- Sai daqui, porra! Não posso nem sonhar em paz?
Peguei o braço dele e o fiz virar na minha direção:
- Isso não é um sonho, desclassificado. Vamos embora.
- Eu odeio você. – falou, com a voz baixa.
- Eu sei... Nem por isso vou deixá-lo morrer aqui.
Ele riu, ironicamente:
- Acha que eu me mataria... Por você? – quase caiu na minha direção quando veio uma onda mais forte.
Segurei o corpo dele e comecei a andar, com dificuldade.
- Vamos lá. Você precisa largar esta porra de bebida e ser responsável. Sua vida vai mudar, playboy.
- Bárbara... – ele falou, confuso.
- Eu mesma... Seu pior pesadelo – comecei a rir, nervosamente – E a pessoa que mais ama você no mundo todo.
- Eu... Quero ficar aqui.
- Não vai ficar.
Quando saímos da água, peguei meus tênis na outra mão e segui pela areia, agarrada a ele, colocando seu braço sobre meus ombros:
- Vamos embora, Anon.
- Sim, senhora Bongiove.
Anon se posicionou do outro lado dele e o levamos assim, até o carro.
- Para onde quer levá-lo, senhora Bongiove?
- Ele me levou para o Palace Noriah Norte – lembrei – Eu vou levá-lo para a casa dele. – disse firmemente.
- Vai ao apartamento dele? – Anon perguntou surpreso.
- Tem algo lá que eu não possa ver? – sondei.
- Não, senhora. Tudo certo por lá.
Suspirei, aliviada. Por um breve momento, temi que Cindy pudesse estar lá.
- Ele tem feito muito isso... De beber? – perguntei.
- Sim. – Ele respondeu.
Olhei para Heitor, praticamente morto no banco ao meu lado.
- Ele tem que parar com isso. – falei.
- Mas quem sou eu para dizer-lhe, senhora Bongiove? Ele não me ouve. Aliás, não ouve ninguém.
- E... Cindy? – perguntei, tentando não parecer curiosa e temerosa da resposta.
- Eu... Não gostaria de falar coisas das quais não tenho permissão, senhora Bongiove. Mal tenho certeza se estarei neste emprego amanhã, quando o senhor Casanova souber que liguei para a senhora.
- Entendo... Mas não se preocupe. Ele não vai fazer nada contra você.
Fizemos o restante do trajeto em silêncio. O carro entrou pelo portão automático do prédio mais caro de Noriah Norte. Jamais passou pela minha cabeça conhecer aquele lugar um dia.
Anon subiu três andares com o carro antes de estacioná-lo ao lado do Maserati, num espaço privativo.
Assim que ele desligou o carro, falei:
- Pode me ajudar com ele?
- Sim, senhora. Claro.
Ele acordou quando o retiramos do automóvel. O levamos até um elevador.
Anon apertou o botão e a porta se abriu. Entrei com Heitor, que se apoiava em mim com os braços sobre meus ombros:
- Qual andar? – perguntei.
- O elevador é privativo. A senhora aperta o botão e chegará diretamente no andar dele. É a cobertura. Todo o andar é do senhor Casanova.
Eu ri:
- Não poderia ser diferente, não é mesmo? Só falta me dizer que é duplex.
- É duplex. – Ele sorriu, tentando ficar sério.
Olhei para Heitor:
- E de que adianta o dinheiro, não é mesmo, desclassificado? O que o faz ficar deste estado? Consegue me dizer?
- Você. – Ele olhou nos meus olhos, fazendo um frio percorrer minha espinha.
- Eu... – Olhei para Anon, sem conseguir pronunciar uma palavra sequer.
Ele apertou o botão pelo lado de fora e a porta se fechou. O elevador era todo espelhado, inclusive no teto.
- Elevadores não lembram nada para você? – Heitor riu, enquanto tirava o braço dos meus ombros, escorando-se numa das extremidades espelhadas e me puxando de encontro a ele.
- Sim... Lembram - senti meu coração bater forte – Você foi um cavalheiro comigo naquela noite, no Palace North B. Mas eu... Não tenho certeza se vou conseguir ser uma dama. – Minha intimidade umedeceu ao toque das mãos dele nas minhas costas.
Nos encaramos, grudados. Os olhos dele estavam estranhos e sequer sei se ele sabia o que estava acontecendo:
- Eu amo você, desclassificado – senti uma lágrima escorrer pelo meu rosto. – Me perdoa pelo que eu fiz.
- Não... – ele disse seriamente.
Toquei o rosto dele, que não esboçou nenhuma reação. Estávamos encharcados. Eu sabia que de nada adiantava conversar com ele naquele estado. Mas era o único momento que eu me sentia a vontade para dizer tudo que sentia, na certeza de que ele não lembraria nada no dia seguinte. Eu era mesmo uma covarde.
- Sou louco por você – ele disse, me apertando contra sua ereção evidente, os lábios entreabertos, como se estivessem me chamando.
- Amo você, mesmo querendo odiá-lo. E vou amar para sempre.
- Amo você, porra.
- Como resistir a você, Heitor? Eu tremo só de sentir o quanto você me deseja. – Toquei seu membro sobre a calça, completamente duro.
Comecei a abrir os botões da camisa dele, grudada ao corpo. Três foram suficientes para ver seu peito. Beijei, passando a língua levemente pela pele salgada.
Ouvimos um som e a porta do elevador se abriu.
- Chegamos em casa. – Ele me olhou, tentando andar em direção à porta.
- Deus... – suspirei, olhando para o teto – Insisto, o que quer de mim?
- Eu quero você. – Heitor respondeu por Deus.