Capítulo 88
2338palavras
2023-02-06 11:34
Ben foi atendido, medicado, teve a mão enfaixada e levado para casa, por Daniel. Embora quisesse ficar comigo, não permiti. Ele precisava dormir e descansar. Estava muito abalado emocionalmente.
Se eu estava abalada? Deus, estava completamente destruída por dentro. Mas sabia como lidar com perdas, com dores horríveis que pareciam não ter fim e com um corpo que mal conseguia parar em pé. Eu era expert em rasteiras da vida.
Fiquei observando Maria Lua pelo vidro até minhas pernas não suportarem mais o peso do meu corpo. Então fui até a sala de recepção da Maternidade e sente, recostando a cabeça para trás e fechando meus olhos.
Eu pensava em tantas coisas ao mesmo tempo que não conseguia focar em uma só. Aqueles olhos verdes sensuais ficavam passeando pela minha mente, quase me enlouquecendo. Eu não queria, mas conseguia ver Salma e Heitor na cama, transando. As mãos dele, quentes, passando pelo corpo dela, ansiosas. Podia ouvir os gemidos da minha amiga sob o corpo dele, enquanto sentia seu gozo quente escorrendo por sua intimidade.
Levantei bruscamente, abrindo os olhos, sentindo uma dor forte no centro da cabeça. Peguei um analgésico na bolsa e olhei pela janela. O dia já estava amanhecendo. Acho que aquela foi a noite mais longa da minha vida. E eu não sentia sono. Tinha a impressão de que se saísse dali, de perto da bebê, alguém poderia roubá-la de mim.
Peguei meu celular e a tela se iluminou com 20 chamadas não atendidas de Heitor. Senti meu coração imediatamente disparar e um nó na garganta. A vontade era ligar, ouvir a voz dele, sair correndo e cair nos seus braços, chorando cada lágrima que estava guardada dentro de mim.
Chorar nos seus braços e dizer: “Ei, desclassificado, a mãe da sua filha morreu. Quem sabe cuidamos dela juntos agora?”
Deus, você existe? Que porra tanto o veneram quando És, na verdade, uma divindade tão vingativa é má?
Enquanto eu abria a bolsa para guardar o celular novamente, a tela iluminou-se com o nome “desclassificado mor” escrito.
Eu deveria guardar de volta o celular e esquecer para sempre. Mas não antes de exigir que aquele safado, ordinário, nunca mais me procurasse. Que fosse foder com a vida de outras dançarinas da Babilônia.
- O que você quer? – fui enfática, não conseguindo esconder toda a raiva que sentia.
- Boa noite, Bárbara. Ou seria... Bom dia? – a voz tinha sotaque carregado. E não era do desclassificado mor.
Olhei novamente para o visor, para me certificar de que realmente era o nome dele escrito ali. E era.
Enruguei a testa:
- Quem é?
- Não reconhece minha voz? – ouvi a risada abafada do outro lado da linha, entre várias vozes, numa ligação confusa, cheia de barulho ao fundo.
- Isso... É brincadeira?
- Vou dar uma dica: Thank you for loving me
When i couldn’t fly
Oh, you gave me wings
You parted my lips
When i couldn’t fly
Thank you for loving me
Thank you for loving me
Thank you for loving me
Oh, for loving me.
Então as lágrimas escorreram, grossas, cheias de um sentimento que não decifrei, simplesmente senti.
- Thank you, for loving me. – falei, com a voz embargada. – Eu amo você.
A risada foi inconfundível agora e eu conseguia imaginá-la do outro lado, com seus lábios grossos, os dentes perfeitos, o rosto se emoldurando perfeitamente.
- O que achou do show? – perguntou – Devo saber diretamente da boca da minha maior fã em Noriah Norte.
- Eu... Eu... – a voz não saiu e eu não sabia se era pela emoção do momento ou a incapacidade de confessar que não vi.
Novamente a risada que por tantos anos me deixava zonza e sonhadora, abalando meus sonhos mais íntimos e impossíveis.
- Tudo bem, não vou exigir tanto assim de você. Vou passar o telefone para alguém que quer ansiosamente ouvir a sua voz.
Meu coração disparou ainda mais.
- Quanto tempo, “desclassificada”. – Ouvi a voz que certamente me abalou mais que a de John Bon Jovi.
- Oi...
Oi, seu desclassificado. Eu estou com tanto ódio de você, que poderia matá-lo. Que porra você fez agora? Por que faz tudo, exatamente TUDO errado na vida? Você destruiu tudo que podia existir entre nós. Teve uma filha com a minha melhor amiga. Jamais vou conseguir olhar nos seus olhos sem sentir raiva por tudo que aconteceu.
- Eu... Soube que você voltou. Quis fazer uma surpresa durante o show, mas você simplesmente sumiu. Não consegui encontrá-la lá. Onde foi que se meteu? Bon Jovi e os demais integrantes da banda estão aqui na Babilônia. Fechamos a casa hoje. Mas falta você...
- Eu... Não posso. – levantei e fui com o fone no ouvido, até o berçário, observando Maria Lua adormecida, feito um anjo.
- Como assim não pode? Está brincando? Tem noção de tudo que eu fiz para trazê-lo até aqui? Acha que fiz isso por qual motivo, a não ser você?
- Obrigada, Heitor – a voz ficou nitidamente embargada e não consegui conter o gemido saído junto com as lágrimas. – Eu agradeço pelo que fez. Mas peço que não me procure mais, ok? Esqueça que um dia nos conhecemos.
- Você bebeu, Bárbara? Usou drogas, é isso?
- Não fui clara o suficiente?
- Clara como água. Vou esperar você se curar da bebedeira e nos falamos. Quer que eu mande buscá-la onde está? Posso ficar ao seu lado durante a bebedeira, cuidando para que não faça mais besteiras... E estarei com você na ressaca, quando passar.
- Que parte você não entendeu, Heitor?
A chamada foi desligada por parte dele e eu fiquei ali, com o celular na mão, completamente aturdida. Olhei para aquele bebê que ocupava todo espaço que tinha dentro do meu coração.
Sabia que a possibilidade de eu ser mãe era mínima depois do procedimento de retirada da endometriose dos órgãos internos. Eu me peguei perguntando se Deus existia. Em meio às lágrimas, eu dei um sorriso de descoberta:
- Deus, claro que Você existe e está aqui, fazendo tudo acontecer. Você me deu este anjo, para que eu não sinta a dor de não pode ser mãe. E me deu a oportunidade de falar com Bon Jovi, mesmo eu não tendo podido estar no show – limpei as lágrimas teimosas – Heitor, seu desclassificado, a sua filha é o que eu tenho de mais importante na vida. O que sinto por ela é indescritível. Sou capaz de matar e morrer por ela.
Ben chegou depois do almoço. Trouxe consigo um buquê de rosas vermelhas, quase maior do que ele. Daniel veio junto.
Ele me entregou as flores:
- Obrigada. – falei.
- Não são minhas – ele disse seriamente – Sua cara está péssima. Você se alimentou?
- Sim. – Menti.
Senti um frio na barriga ao pegar o pequeno envelope e abrir, com as mãos trêmulas, não sei se pelo medo do que tinha escrito ali ou por meu corpo estar exigindo atenção, prestes a cair a qualquer momento.
Bem-vinda à Noriah Norte, desclassificada. Espero que tenha se curado da bebedeira. Podemos jantar juntos hoje? A saudade está acabando comigo.
Sentei no sofá confortável, pois estava completamente fora de mim, a ponto de desmaiar.
- Está pálida. – Daniel disse. – Tudo bem?
Assenti, com a cabeça, incapaz de dizer qualquer palavra.
- Ela passou bem a noite? – ele se referiu à Maria Lua.
Confirmei com um gesto, sem palavras. Ele foi andando até o vidro e ficou ali, observando-a.
Ben sentou ao meu lado:
- Foi ele que mandou?
- Sim. – Respondi mecanicamente, mostrando o bilhete.
Ben leu e suspirou:
- Sei que a mentira tem pernas curtas, mas precisa acabar de vez com isso, Babi. Mesmo que vocês fiquem juntos, criando Maria Lua lado a lado, qualquer coisa que acontecer, ele vai usar a menina contra você. Gosto dele, mas não o conhecemos o suficiente. Sequer sabemos qual vai ser a reação dele.
- Eu sei. Ele me colocou no telefone com Bon Jovi – expliquei – E já mandei ele não me procurar mais. E ele me mandou um buquê de rosas – levantei os ombros, confusa – O que eu faço, Ben?
- Vamos ter que ir embora, Babi. Para longe de Noriah Norte.
Uma vez, quando vivi um relacionamento abusivo e tóxico por oito anos, pensei que saí dele completamente destruída psicologicamente. Meu coração estava em pedaços e jamais imaginei que conseguisse juntar os pedaços novamente. Exatamente naquele momento, olhando para o nada e ao mesmo tempo enxergando dentro de mim mesma, percebi o que era destruição de verdade. O estrago foi tão profundo que não eram pedaços do meu coração. Ele foi transformado em pó.
Não estou bêbada hoje, assim como não estava ontem. Obrigada por Bon Jovi. Eu tinha pedido um tempo. E me encontrei. E não há espaço para você, nem qualquer outra pessoa. Esqueça que um dia nossos caminhos se cruzaram. O problema não é você, sou eu.
Bárbara.
E foi assim que, amando-o mais do que a mim mesma, mesmo jurando que jamais deixaria aquele tipo de sentimento tomar conta de mim novamente, enviei de volta o buquê para a North B. com o bilhete destruindo nosso encontro desastroso e o relacionamento que creio que nunca tenha realmente começado.
Algum tempo depois fui até a cantina do hospital, tentando colocar algo no estômago. Mas não consegui. Nada descia pela minha garganta sem doer. Remexi a comida e fingi que ela entrou no meu corpo antes de voltar para a sala da recepção da maternidade.
Ben estava olhando nossa pequena pelo vidro quando cheguei:
- Ela não é a coisa mais linda que você já viu na vida?
- Sim. – Confirmei.
- Agora você vai pra casa. Precisa dormir um pouco. Sua cara está péssima.
- Eu não vou sair de perto dela.
Ben pegou meu queixo e me fez encará-lo:
- Eu cuidarei da nossa filha tão bem quanto você, entendeu? Você não pode ser uma boa mãe se não estiver disposta e saudável quando ela precisar.
- Eu... Estou disposta. – falei confusa.
- Parece um zumbi.
Eu ri:
- Sua sinceridade às vezes me perturba.
- Desculpe ser sua consciência algumas vezes.
Deitei minha cabeça no ombro dele, olhando a pequenina criatura se remexendo sem parar:
- Vamos dar conta disso?
- Vamos – ele pegou minha mão, deitando a cabeça sobre a minha. – Talvez estejamos fazendo tudo errado, mas é com intenção de acertar.
A pediatra estava chegando. Antes de ela entrar na maternidade, fui até ela rapidamente, interceptando-a no corredor:
- Boa tarde, doutora.
- Boa tarde, Bárbara. Você já dormiu?
- Sim. – Menti.
- Sua cara diz o contrário. – Ela falou.
Olhei para Ben, que disfarçou um sorriso debochado com a mão, tapando a boca.
- Quando poderemos levar Maria Lua embora? – perguntei.
- Amanhã cedo vou assinar a alta de Maria Lua – ela sorriu. – Apesar da prematuridade em 4 semanas, a bebê está bem. Não precisou oxigênio, está respirando sozinha e aceitou a fórmula como alimentação.
Senti meu coração bater forte e uma sensação de alegria invadindo meu corpo. Ben deu um pulo de alegria enquanto acenava para os bebês pelo vidro.
- Podem ir embora agora. – disse a médica. – Ela estará bem cuidada aqui. Não podem acampar no hospital.
- É proibido ficarmos? – perguntei.
- Não, na recepção da maternidade não é proibido. Mas não tem necessidade, entende?
- Entendo. Mas vou ficar igual. – Sorri.
Ela balançou a cabeça, discordando e entrou pela porta.
Eu e Ben ficamos observando enquanto ela examinava os dois bebês que estavam ali, mais Maria Lua.
- Que acha de chamarmos ela de Malu? – Ben perguntou, pegando minha mão.
- Não acha que Salma gostaria que chamássemos ela de Raio de Sol?
- Se fosse assim ela não teria botado o nome dela de Maria Lua e sim de Maria Sol. – Ele enrugou a testa, confuso.
Eu ri:
- Ok, oficialmente se chamará Maria Lua, apelido, Malu e nas horas que acharmos ela tão fofa a ponto de não termos palavras para definir, usamos raio de sol.
- Combinado. – Ele levantou a mão para eu bater nela, em sinal de selarmos nosso trato.
- Acha que temos maturidade para criar um bebê, Ben?
- Você eu não sei. Mas eu sim. Ainda me pergunto como Salma foi capaz de mandar justo você cuidar da filha. – Ironizou.
- Ben, amanhã à noite, quando estivermos bem e enfim na nossa casa, iremos ao Hazard.
- Fazer o quê?
- Brindar a passagem de Salma.
- Faremos isso. Eu aposto que ela gostaria que fosse assim.
- E Daniel? O que vamos fazer com ele?
- Em primeiro lugar, jamais contar a verdade sobre Heitor ser o pai da criança.
- Concordo.
- O resto a gente espera para saber como vai ficar. Afinal, ele tinha um bom relacionamento com ela, mas não conosco.
- Sim, exatamente.
- Agora vai para casa.
- Não. – Me recusei.
Estava voltando para a sala de espera da maternidade quando meu celular bipou. Era uma mensagem:
Maldito dia que eu decidi dar uma chance para os meus sentimentos.
Esta porra de amor não existe.
Por isso sempre preferi uísque à sentimentos.
Vocês mulheres são todas iguais. E você não é uma exceção.
No fim, Bárbara Novaes foi só mais uma que passou pela minha cama.
Faça bom uso do seu precioso tempo, sendo a covarde que sempre foi. Entendo agora porque seu ex nunca conseguiu largar o vício: você é a própria droga.
Já esqueci que um dia nossos caminhos se cruzaram.
Apague meu número do seu celular. Não ouse passar na calçada da North B. E se quiser seus direitos pela ideia idiota dos rótulos, me bote na Justiça.
Não ouse sequer frequentar o mesmo ambiente que eu, ou a destruo.