Capítulo 18
2192palavras
2022-12-24 14:32
Estava pichado na fachada do prédio “LOUCA DESCLASSIFICADA”. E claro que aquilo era obra dele: Heitor Casanova.
- Olhem o que este desgraçado fez! – fiquei puta, aturdida, sem raciocinar direito.
- Não acho que tenha sido exatamente ele. Certamente pagou alguém para fazer. – Ben virou a cabeça de lado, acompanhando a escrita.
- A parte boa é... Que ninguém sabe que é para você. – Salma falou, estreitando os olhos, pensativa.
- Se eu o visse neste instante, daria tanto na cara dele... Até não suportar mais de cansaço nas mãos. – Cheguei a imaginar a cena na minha cabeça.
- Teria que subir num banquinho, cherry. – Ben falou seriamente.
- Ben, seu idiota desclassificado.
- Se eu fosse você não usava mais esta palavra. Está ficando perigoso, Babi. – Ele reagiu.
Peguei meu celular e tirei uma foto da fachada com o escrito.
- O que vai fazer com isso? – Salma perguntou.
- Levar para o Delegado e mostrar o que Heitor Casanova fez. Vou exigir que ele me pague pelos danos morais e...
- Não vai fazer nada. – Ben pegou o telefone da minha mão. – Ontem você estava na delegacia por causa deste homem, quase presa. Vai se meter com ele de novo?
- Esta é uma forma de recuperar minhas joias. Ele me acusou e tive que entregar tudo que eu tinha a ele. Agora foi ele que deteriorou a fachada de um prédio... E ainda foi ofensivo comigo. Vou pedir minhas joias de novo ou não retiro a queixa.
- Babi, entenda que ele não vai ser preso. O próprio delegado disse que faria vistas grossas ao seu caso se não fosse um Casanova acusando. Acha que tem cacife ou peito para enfrentar esta gente? Não, você não tem, minha linda.
- Ele tem razão, Babi. Afinal... Tudo isso é muito estranho. Pensa na vida de Heitor Casanova... E tudo que ele tem... De compromissos. Por que se deu ao trabalho de mandar alguém irritá-la... Ou mesmo se vingar de você? Ou o CEO mais poderoso de Noriah Norte está interessado em você... Ou quer seu sangue e o seu fim. – Salma falou calmamente. – E se ele quiser acabar com sua raça... Você está fodida, amiga.
- Ah, Salma, ela está fodida dos dois jeitos, neste caso. – Ben sorriu debochadamente, me encarando. – Eu acho que a primeira opção é mais provável.
Eu gargalhei:
- Jura que vocês chegaram a pensar isso? Ele me odeia... Porque interrompi o boquete dele, porque o enfrentei, porque disse que ele fazia xixi sentado, porque o ameacei, porque disse verdades que aposto que nunca alguém lhe disse. Foi ódio à primeira vista entre nós dois... Acreditem. E gente, é Heitor Casanova. Eu sou Babi Novaes, a pobre desempregada azarada. Jamais um homem como ele se interessaria por mim. E não é por questão de baixa estima que digo isso, não. É porque isso não acontece na vida real... Só nos filmes. Até Sebastian Perrone fugiu de mim. E o principal: jamais eu me interessaria por um tipo como este Casanova. Só de pensar nele me tocando eu sinto náusea.
- Mas que ele é lindo, ninguém pode negar. – Salma falou.
- Não mesmo. – Ben confirmou. – Estou querendo dizer que ninguém pode negar... Que é lindo e perfeito.
- Prefiro... Prefiro... Jardel.
Os dois me olharam e começaram a rir.
- Ei, o que foi? Estou sendo sincera.
- Trocando o sujo pelo mal lavado? – Ben foi irônico.
- Os dois vem do mesmo mundo: homens horríveis, que não merecem nem que falemos deles. – falei, andando e tentando esquecer a escrita ofensiva que ocupava quase todo a extensão do prédio onde eu morava.
Fomos tomar o tal sorvete, que sinceramente, não desceu. Minha garganta estava com palavras entaladas e eu ainda sentia vontade de chorar.
Como o mundo era injusto. Aquele louco desclassificado poderia fazer o que quisesse comigo, mas eu não poderia fazer com ele, só porque era rico e dono da porra toda.
Na segunda-feira eu tinha médico no período da tarde. Já tinha agendado o Ginecologista para ver se ele trocava os medicamentos. Eu não queria mais sentir cólicas que quase me faziam desmaiar de dor durante meu período menstrual.
Assim que cheguei no consultório, tinha duas mulheres conversando nas poltronas perto da janela. Mais adiante um homem mais velho, numa cadeira de rodas, acompanhado de outro mais jovem, vestido com um terno e camisa pretos.
Sentei próximo dos dois, para não ouvir as mulheres conversarem. Queria mandar uns currículos online e aproveitar enquanto estava ali. Comecei a mexer no celular e só depois de vinte minutos a secretária chamou uma das mulheres que estavam ali.
Eu já tinha mandado todos os currículos e meu pé ansioso já começava a dar o ar da graça, inquieto. Percebi que o homem não parava de olhar para meu pé batendo no chão e expliquei:
- Sou ansiosa.
- E eu odeio este barulho. – Ele sorriu. – Tenho TOC.
- Me desculpe. – falei, tentando parar o pé no chão, sem bater.
Ele riu:
- Antigamente eu entrevistava pessoas. E sempre reconhecia as ansiosas pelo pé batendo insistentemente ou as pernas balançando. E tinha as que mexiam com as mãos que chegava a me dar vontade de amarrá-las. – Riu divertidamente.
- E... As contratava? – perguntei, curiosa.
- Não. – Ele riu, balançando a cabeça.
- Será que é por isso que não consigo emprego? – perguntei seriamente.
- Está desempregada?
- Há tempos... Entrevistas e mais entrevistas... E nada de contratação. Acredita que atualmente os próprios CEO’s das empresas analisam os candidatos antes do RH? Achei isso tão estranho. Certamente na época que o senhor trabalhava no RH não era assim, não é mesmo? E isso mudou recentemente.
Ele parou um tempo e me analisou, pensativo:
- Acha isso bom ou ruim?
- Acho péssimo. Tenho certeza que as melhores oportunidades perdi por causa dos CEO’s. Se fosse um RH certamente levaria em conta meu esforço, minhas notas, o tempo da minha formação... Enfim... Talvez tenha sido só minha ansiedade que fez tudo ir por água abaixo. – Eu sorri.
- Esperar em Consultório já é horrível. Para vaga de emprego deve ser ainda pior.
- Com certeza. – Confirmei. – Mas você deve saber disso melhor do que eu, afinal, trabalhou num RH.
- Sim... Posso ter...
Ele era charmoso e sexy e tinha cheiro bom. Os cabelos grisalhos e a pele um pouco enrugada mostravam que ele já tinha certa idade. Os olhos eram profundamente azuis... E eu fiquei olhando-o, atentamente, tentando lembrar se não o conhecia de algum lugar, pois me parecia familiar.
Quando percebi os olhos dele nos meus, perguntei, um pouco encabulada, tentando me justificar:
- Estava tentando identificar a cor dos seus olhos.
- Oficialmente verdes. – Sorriu gentilmente. – Embora algumas pessoas achem que são azuis.
- Eu achei que eram azuis. – Bati a mão na perna, sabendo que tinha errado.
- Azuis são os seus. – Observou.
- Iguais os da minha mãe... E da minha avó. – Fiz questão de falar, orgulhosa.
- Senhor, já faz meia hora... – o homem que o acompanhava falou. – Não está cansado? Quer que eu relembre que o senhor está aqui?
- Não precisa. – Ele levantou a mão, confirmando que estava bem.
A cadeira de rodas dele era enorme e tinha vários botões. Certamente de última geração.
- Não sei qual é o seu horário, mas pode passar na minha frente se quiser. Não tenho nada para fazer mesmo... Sou uma desempregada. – Sorri da minha condição.
- Estou aguardando o resultado de alguns exames. Não tenho pressa também.
- Eu... Bem... Nunca vi um homem ir ao Ginecologista. Eu jurava que só mulheres que eram atendidas por eles. – falei confusa, mas sincera, já que aquela curiosidade me corroía por dentro.
Ele gargalhou e vi que o homem que o acompanhava também disfarçou o riso.
- Eu não vou ao Ginecologista. – Explicou. – Aguardo o Reumatologista, que atende naquele consultório ali. – Apontou para a porta.
- Mil perdões... Não quis ofendê-lo. Mas confesso que fiquei curiosa. Nunca tinha visto homens por aqui.
- Eu também nunca a vi por aqui, senhorita...
- Bárbara Novaes. – Me apresentei.
- Pois então, venho bastante aqui e nunca a vi.
- A verdade é que eu estou aqui pela segunda vez. – Cheguei mais perto dele e disse, baixinho: - Sou um pouco relapsa com estas questões de médicos.
- Hum... Entendo. Mas... Está tudo bem com você?
- Não muito... Descobri que tenho endometriose. Já ouviu falar?
- Não... Nunca.
- Doença de mulher.
- É grave?
- Descobri que não vou morrer disto. Mas tenho cólicas insuportáveis... Doem tanto que tenho que ficar na cama. E... Com isso também é difícil manter a assiduidade no emprego. É como se você tivesse que escolher entre faltar pela dor ou ir quase morrendo e não conseguir produzir nada no trabalho.
- Mas... Não há remédios que aliviem?
- Eis a questão... Agora descobri que existem. Estão estou fazendo testes. Mas o primeiro não resolveu. E por isso voltei.
- E como você sobrevive, sem emprego e... Salário?
- Meus amigos, minha avó... Tudo emprestado. Quando eu trabalhar, devolverei cada centavo a eles. E não é só a questão de falta de dinheiro... Tem a ociosidade de ficar em casa, a vergonha de se sentir imprestável ou até mesmo incapaz. Foram tantos anos de estudo e dedicação. Daí chega uma fase que você está na m... – Olhei para ele e falei baixinho: - Merda. E parece que tudo dá errado. Você deve saber o que é isso, não é mesmo? Tipo, sabe quando tudo dá errado na sua vida e parece que você vai despencar?
Ele assentiu com a cabeça.
- Eu sou a pessoa que vive nesta corda bamba.
- Senhorita Novaes. – A Secretária chamou. – Sua vez.
- Foi um prazer, conhecê-lo... Senhor...
- Allan. – Ele disse.
- Bons resultados de exame para o senhor.
- E que você encontre os medicamentos que a façam melhorar. Boa sorte.
- Tchau, Anon. – falei para o acompanhante, que mais parecia Anon, meu velho conhecido e quase amigo guarda-costas.
- Anon? – ele perguntou para Allan, confuso.
Entrei, cumprimentando o doutor, que logo falou:
- Achei que não a veria novamente. – Sorriu.
- Bem, eu só voltei porque o medicamento não surtiu efeito. – Confessei.
- Achei que isso poderia acontecer. Como falei, seu estágio não é inicial. Podemos demorar um pouco para acertar o tratamento. Vou pedir mais alguns exames, senhorita Novaes. E vamos testar este outro medicamento. – Me entregou uma caixa de comprimidos.
- Hormonal? – Li na caixa.
- Sim. E vai tomar diariamente. Também vamos interromper seu ciclo menstrual.
- Interromper?
- Sim. Tomará esta pílula anticoncepcional que estou receitando de forma contínua. Assim que eu tiver o resultado dos novos exames, voltaremos a conversar. O que acontece é que talvez a medicação não passe por completo suas dores e sim diminua a intensidade.
Juro que eu pensei que ele diria que um dia aquilo ia passar e eu me livraria de vez das dores, do sangramento intenso e de tudo mais que aquela doença maldita me causava. Mas não... Quanto mais eu procurava saber e tentar encontrar a cura, mais difícil parecia ficar.
Por que eu não procurei antes o médico? Talvez se estivesse no estágio inicial poderia ter sido diferente. Mas não... Já havia avançado.
Coloquei Jardel acima de mim mesma... E agora sofria as consequências de tudo que fiz. Me tornei uma mulher covarde, impotente, sem voz, imprudente e demente... Tudo por amor. O amor era uma droga. Eu jamais amaria novamente.
Assim que saí do consultório, vi o senhor Allan e Anon 2 entrando no elevador. Corri e pedi para eles segurarem, mas não me ouviram. A porta se fechou quando parei na frente dela.
Só tinha um elevador naquele prédio e como estávamos no quinto andar, eu não desceria de escadas, porque eu fazia aquele exercício diariamente no meu prédio de quinta, que tinha um elevador quebrado há uma eternidade.
Esperei ele ir até o térreo e voltar no meu andar. A porta se abriu e entrei, sozinha. Não tinha ninguém. Olhei para o chão e vi uma carteira. Passei os dedos nos olhos, pensando ser uma miragem ou pegadinha.
Mas ela realmente estava caída no chão. Abri e vi cartões de crédito em nome de Allan C. E quantos cartões... Por Deus!
- Allan, acho que vou trocar de profissão. Vou passar de Marketing para Recursos humanos. – falei sozinha.
Eu adorava falar comigo mesma. Eu era uma pessoa sincera e educada com a minha pessoa, como eu não era com quase ninguém, a não ser meus amigos, que também entravam nesta lista de sinceridade, embora nem sempre na da educação.
Coloquei a carteira na minha bolsa e fui até a recepção, na intenção de entregar para a mulher que cuidava de tudo ali.