Capítulo 85
2225palavras
2023-02-08 10:27
Charles segurou-me pelos ombros e disse:
- Sabrina, por favor, vamos viver este momento. Esqueça estas coisas, ao menos por enquanto... Algumas horas apenas, pode ser?
Respirei fundo, tentando acalmar a raiva que existia dentro de mim:

- Vou tentar.
- Não esqueça que está grávida. Precisa ter uma gestação tranquila.
- Tem razão... Já foi tudo muito conturbado com Melody.
Charles me abraçou:
- Venha, vamos alcançá-las e ver os quartos que elas escolheram.
Enquanto subíamos as escadas, percebi que tudo estava do mesmo jeito que deixamos, anos atrás.

Quando abri a porta do quarto onde ficamos, que me trazia tantas lembranças, vi Melody parada, olhando o mar pela sacada. Meu coração quase explodiu de tanta emoção. Passou um filme na minha cabeça, de tudo que aconteceu naquele lugar. Eu era uma adolescente, de 18 anos, e já sabia exatamente o que queria: o cantor do bar.
Charles apertou minha mão e fomos até ela, surpreendendo-a enquanto observava tudo à sua frente, silenciosamente.
- Mamãe... Papai? – ela nos encontrou, sorrindo – O mar está tão pertinho... Será que dá para ouvir o som dele à noite, do meu quarto?
A peguei no colo, Charles retirando-a de mim logo em seguida:

- Sabrina, ela é muito pesada... Deve pegá-la só quando estiver sentada.
- Antes de ter certeza que estava grávida, eu a pegava no colo todos os dias... – Reclamei.
Ela riu e tentou piscar para nós, fazendo-nos gargalhar.
- Quer saber? Sim, dá para ouvir o som do mar em qualquer quarto que você escolher. E ele é como uma canção de ninar. – Expliquei.
- Eu gostei daqui. – Ela abriu os braços, sentindo o vento enquanto abria a boca para apará-lo.
- Vamos morar aqui? – Perguntei.
- Se aceitar dividir a casa comigo, sim.
- É claro que eu aceito, Charles. Vamos ficar aqui, juntos, como uma família... Como sempre deveria ter sido, se não fosse... – minha voz embargou de emoção – Eu não sei o que acontece com as pessoas... Não consigo entender.
- Não tente, meu amor. – Ele me abraçou, junto da nossa filha.
Olhei pelo ombro dele e observei Yuna na porta, parada, confusa, parecendo deslocada. Abri o braço e ela veio até nós, aceitando o abraço coletivo, fingindo não se importar ou emocionar-se com o gesto.
- Yuna, quero que fique morando conosco. – Charles convidou.
- Não... Eu não posso. E não quero atrapalhar. Vocês já ficaram tempo suficiente separados. Esta casa é de vocês quatro. Eu sequer pertenço a este país...
- Também não pertence à Noriah Sul, não é mesmo? E ainda assim vive lá, como se fosse o seu lar.
- Não quero atrapalhar. Não estou acostumada com isso. Gosto do meu espaço, das minhas coisas...
- Terá o seu espaço, Yuna. Há quatro quartos na casa. Poderá escolher o seu. – Charles insistiu.
- Não, Charles, obrigada. Fico feliz que pense em mim, assim como Sabrina. Mas no momento o que desejo fazer é voltar para casa e abrir meu consultório, conforme planejamos... Seguirei o plano, agora sem a minha amiga. Mas sei que ela está em boas mãos.
- Não quero que você vá... – Falei.
- Sabe que preciso, Sabrina.
- Não... Você não precisa. Você “quer” ir e isso é diferente de “precisar ir”. Yuna, você não sobra aqui. Faz parte desta família.
Melody deu os braços para ela, que a pegou no colo, sorrindo:
- Às vezes eu acho que você ganha mais colo que muitos bebês por aí.
- É que eu sou muito fofa, tia Yuna.
- E pouco convencida, não é mesmo? – Yuna deu um beijo no nariz dela, que gargalhou.
- Você é minha família também, tia Yuna... E Do-Yoon, e Lianna... E solitário II, e Tuga e Solitário I e Hamster... E Gui – ela olhou para mim, confusa – A mãe de Gui também é minha família?
- Não! – falei imediatamente – Não é nada nossa.
- Nossa família está aumentando, não é mesmo, mamãe?
- Sim... – Sorri, confirmando.
- Podemos tirar tia Mariane da lista da nossa família? Eu não gosto dela com meu papai.
- Podemos sim... Já até risquei ela da lista. E já faz um bom tempo. – Confessei.
Yuna riu:
- Melody, eu amo tanto você, pequena. Vou sentir falta... Mas da sua mamãe, não muito. – Me olhou, com o semblante emocionado.
- Eu... Vou organizar algumas coisas... E pagar o táxi – Charles disse – Assim vocês podem conversar melhor.
Ele saiu e Melody balançou as perninhas, descendo do colo de Yuna e correndo atrás do pai.
Fechei a porta e peguei o celular, ligando.
- Para quem está ligando? – Yuna perguntou.
- Colin.
- O quê? – Ela ficou apavorada.
Não demorou muito para eu ouvir a voz dele do outro lado da linha:
- Alô.
- Olá, Colin... Sou eu...
- Sabrina? – Ele pareceu surpreso.
- Sim.
- O que... Você quer comigo?
- Eu gostaria de falar com você, pessoalmente. Será que é possível?
- Claro, sim... Claro. Onde e quando você quiser. Quem sabe vem na minha casa? Meus pais sempre falam em você e...
- Amanhã, às 17 horas, na praia que você me encontrou naquela noite... Tem um posto de gasolina mais à frente, acho que o único na cidade. Estarei esperando você lá.
- Estarei lá... Ansioso.
- Colin, eu não quero reatar. – Deixei claro, arqueando a sobrancelha, temendo que ele pensasse que era um possível convite para voltarmos a nos relacionar.
- Sim, eu sei. – Falou, não me convencendo.
- Até amanhã.
- Até amanhã, Sabrina.
Desliguei o telefone e Yuna perguntou:
- Você está louca?
- Preciso falar com ele. Colin é um ótimo advogado. Sempre foi, mas agora ele é conhecido e requisitado. Aposto que conhece todos os juízes. Ele sempre foi muito focado e dedicado.
- Com tantos advogados no mundo, por que ele?
- Para quebrar a cara do meu pai. – Sorri.
- Como assim?
- Ser processado é horrível. Mas ser processado pela filha, tendo como advogado o homem que você admirou a vida inteira, é pior ainda. Colin sempre foi o filho que ele não teve. A ferida tem que ser profunda.
- Eu não sei se entendo você.
- Nem queira. Só quem passou tudo que passei entenderia.
- Sair daquela casa de praia foi como tirar um peso de cima de mim. Confesso que o Hotel era melhor que aquele lugar. Mariane e J.R Rockfeller são tóxicos.
- Sim, são. E não é sobre vingança... É sobre justiça. Sobre fazer uma pessoa perder quase cinco anos trancafiada numa cela por um crime que não cometeu. Não posso deixar os culpados impune. É um dos dois... Eu tenho certeza.
- Colin lhe ajudará com isso também?
- Não sei... Mas sobre o processo de requerer minha herança, sei que sim.
- Estou pensando em tirar minha mãe do convívio dos Rockfeller, Sabrina.
Olhei-a surpresa:
- Como assim?
- Ela não precisa ficar naquela casa. Eu e Do-Yoon estamos crescidos e nos sustentamos. Se eu me senti mal em alguns dias junto deles, imagino ela a vida inteira.
- Eu nem sei como ela aguentou tanto tempo.
- Por você... Ela sempre foi muito apegada à caçula dos Rockfeller – ela sorriu – Mas você não está mais lá.
- Acho que vale a pena fazer isso. Min-ji merece um descanso... Uma bela aposentadoria. Trabalhou a vida inteira na casa dos Rockfeller. Merecia um prêmio por aturar meu pai quase tanto tempo quanto minha mãe.
- Fico a imaginar sua mãe no meio disso tudo. Como ela consegue ser neutra?
- Eu sinceramente não sei. Agora vamos descer... Enquanto isso você pensa se realmente vai deixar eu e Melody e voltar para Noriah Sul para viver sozinha, sem a melhor companhia do mundo, que somos nós duas.
- Agora começo a entender de onde Melody tirou tanto convencimento.
- Não tenho culpa se é verdade, amiga. – Comecei a rir.
Passamos um restante de dia agradável, os quatro. Saber que me despediria de Yuna em breve já me deixava triste. Ela e Do-Yoon tinham uma participação enorme na criação de Melody e também na minha vida.
Yuna optou por um quarto e Melody por outro. Medy inclusive escolheu o quarto do bebê, que ainda nem havia nascido. Eu e Charles ficamos com a suíte principal.
Tomei um banho demorado antes de deitar. Estava exausta. Deixei o banheiro enrolada na toalha branca e me peguei observando o mar, iluminado pela lua cheia.
Charles me abraçou por trás, beijando meu pescoço:
- As estrelas estão nos observando.
- Sim... Aqui tem muitas estrelas. – Toquei as mãos dele que estavam no meu corpo.
Ouvimos uma batida leve na porta. Charles abriu e lá estava Melody, de pijama:
- Posso dormir com vocês?
- Se pode? Não só pode, deve! – Charles a pegou no colo, jogando-a na cama, enquanto a enchia de cócegas, que ela amava.
Pus meu pijama e mirei-me no espelho, de lado. A parte de baixo estava apertada e minha barriga saliente.
- Você está linda, mamãe! – Charles observou.
- Sim, linda... Muito linda. – Melody confirmou.
- Acho que precisamos procurar um médico... E quero saber o sexo. Vocês não estão curiosos?
- Eu voto num menino. – Charles disse, levantando a mão.
- Um maninho – Melody confirmou – Como Gui...
Fiquei em silêncio, lembrando dele. Por mais idiota que Guilherme se mostrou, ainda me sentia mal com relação a tudo que aconteceu. Porque sim, eu tinha sentimentos por ele. E queria, do fundo do coração, que Charles e o filho se entendessem.
Em pouco tempo, Melody dormiu, entre nós dois. Alisei seu rostinho e disse:
- Ela é o amor da minha vida...
- Das nossas vidas. – Ele sorriu, tocando meu rosto carinhosamente.
- Charles, você gastou todo seu dinheiro aqui nesta casa?
- Praticamente todo.
- E... Como vai fazer agora?
- Outros shows... Há uma nova turnê sendo preparada, por outros países. Acho que vamos ter que viajar.
- Você gosta disto?
- Sinceramente... Eu não tenho certeza. Embora sempre tenha trabalhado com música, nunca me senti tão mandado e sem poder decidir absolutamente nada. Já entrei em algumas batalhas com Otávio e Mariane, seja por roupas, músicas, letras... Enfim...
- Imaginou chegar tão longe?
- Não – confessou – Mas eu sabia que rodar o mundo talvez me fizesse encontrar você. E eu estava certo.
- Qual seu sonho? – Perguntei, encarando-o, curiosa.
- Um sonho louco... Mas vou confessar – ele sorriu – Eu gostaria de comprar o Cálice Efervescente.
- O bar é seu sonho? – Eu ri.
- Sim... Um bar legal, com música boa... Um cantor gostosão... – me mostrou a língua, debochadamente – Bebidas de qualidade, inclusive um tal de Vueve Cliqcuot...
- Pode ser José Cuervo, “el cantante”. – Brinquei.
- Sim, fogo engarrafado. O que eu fiz com a minha garotinha?
- Não curto tanto a tequila... Mas gosto dela no meu corpo, na pele...
- Confesso que no seu corpo o gosto dela fica perfeito...
- Sem faltar o limão... Aqui. – Mostrei a língua desta vez, rindo.
- Safada.
- Gostoso.
- Enfim, eu queria isso. E uma Sabrina ao meu lado...
- Servindo bebidas? – Arqueei a sobrancelha.
- Não... Delimitando o espaço das fãs. – Ele riu.
- Acho que Melody faria isso melhor que eu. Acha que ela deixaria alguma mulher encostar em você?
Ele olhou para a filha adormecida:
- Acho que não. Minha filha é muito ciumenta.
- Você poderia ter comprado o Bar... Então por que optou pela casa?
- Porque não poderíamos morar nós três num bar, não é mesmo?
- Eu tenho uma casa em Noriah Sul... Poderia vender e comprarmos outra aqui. Aliás, preciso buscar minhas coisas lá... Roupas, brinquedos, meu carro...
- Meus bichinhos enterrados também. – Melody abriu os olhos.
- Meu Deus, Melody, você não vale nada! – Vi que ela fingia dormir.
Ela começou a rir:
- Meu sonho é vocês dois juntos... Para sempre.
Demos um beijo nela, cada um numa bochecha, ao mesmo tempo.
- Seu sonho vai se realizar, meu docinho. – Falei.
- Qual seu sonho, Sabrina? – Charles me encarou.
- Eu quero tentar trabalhar de novo.
- Este sonho é estranho... – Ele riu.
- Eu sonhei a vida toda com este momento, Charles... Que estamos vivendo agora.
- E ele está acontecendo, meu amor.
- Eu só queria nós três juntos... Acho que nunca fui feliz antes de você.
- Não diga isso, Sabrina.
- Vocês são o motivo da minha alegria... – Olhei para Melody, alisando seu rosto.
- Eu amo você, mamãe.
- Eu amo você, meu amor... E papai... E o bebê... – Toquei meu ventre, não contendo as lágrimas.
Charles limpou meu rosto e disse:
- Eu garanto que seu sonho é real, meu amor...
- Sinto que ondas fortes e turbulentas estão para chegar. – Falei.
- Não quero outra tempestade na praia. – Melody reclamou.
- Desta vez você ficará dentro de casa, meu docinho.
- Mas nós dois teremos que sair na chuva. – Ele me olhou.
- Sim... A começar por mim... Amanhã.