Capítulo 59
2398palavras
2023-02-08 10:12
Minha filha não era uma mentirosa. Nunca foi.
Eu ri:
- Ela não mentiu. É filha de Charlie B., ou melhor, Charles. Porque este é o nome verdadeiro dele. Ela também é neta de J.R Rockfeller, herdeira da J.R Recording. Mas isso eu ainda não lhe contei. Ela saberá no Natal, quando nos reunirmos com o pai e o restante da família. – Menti para mim mesma.

A professora ficou me olhando, a face ruborizada. Só não tenho certeza se ela estava daquele jeito porque ficou envergonhada de não ter acreditado em Melody ou porque achava que eu era tão mentirosa quanto minha filha.
- Eu... Sinto muito. Achei que ela... Estivesse tentando impressionar os colegas.
- Bem sabemos que Melody não precisa mentir para impressionar... Por si só ela já é uma criança que impressiona a todos.
- Sim... É verdade.
Olhei no relógio e perguntei, a fim de finalizar a porra da conversa:
- Era isso?

- Sim... Obrigada por esclarecer.
- E pode dizer aos coleguinhas dela que Charlie está compondo uma música para ela... Aliás, ela já explicou que Melody vem de Melodia, em homenagem ao tempo que o pai era só um cantor de um bar chamado Cálice Efervescente?
- Não...
- Minha Melody... Sempre tão humilde. Tenha um bom dia, professora.

- Obrigada... E igualmente para você.
Saí sem olhar para trás. Como assim chamando minha filha de mentirosa? A menina falava a verdade. Por que não acreditavam nela?
Eu precisava resolver aquela porra logo.
As três semanas que passaram foi como se eu estivesse de luto. A dor se apossou de mim. Não vi Guilherme, pois ele estava a mil com os preparativos da formatura, já que além de organizador seria também orador da turma.
No sábado à noite eu teria que trabalhar, participando da cerimônia de colação de grau dos alunos de Ensino Médio. No entanto, ver Gui pegar seu diploma seria gratificante. Fazer parte da história dele, assim como de tantos outros alunos que auxiliei, de alguma forma, ou fiz a diferença na vida deles.
Eu partiria no dia seguinte para Noriah Norte, seguindo para a casa de praia dos Rockfeller. Já tinha inclusive comprado as passagens.
E tudo estava acontecendo ao mesmo tempo, quase me enlouquecendo.
Evitei ao máximo mexer no celular, a não ser para fazer ligações. Também evitei televisão ou lugares com muitas pessoas. Não queria ouvir falar do noivado de “el cantante”.
Para a noite de formatura, escolhi um vestido vermelho, não muito justo, de um tecido com bom caimento. Comprei-o especialmente para o evento, portanto não tinha decote. Era bem fechado e comportado. Combinei com sapatos dourados e cabelos lisos e soltos, completando com uma maquiagem caprichada.
Deixei Melody com Yuna, que já estava com parte de seus pertences na nossa casa, que mais parecia uma “zona” novamente, com caixas por todos os lados.
A cerimônia seria no auditório da escola, que estava lindamente decorado para o evento.
Após a colação de grau, os alunos iriam fazer uma festa num salão no centro de Noriah, com direito à banda de rock e traje à rigor.
Seria minha primeira formatura participando como professora. E eu estava feliz que tudo tinha dado certo. Rachel finalmente decidiu dar um tempo com sua ameaças infantis e infundadas. Até porque eu não tinha mais estruturas para lidar com tudo que estava acontecendo ao meu redor.
Estava sentada na mesa principal, sobre o palco, junto com demais professores. Dali consegui ver a mãe de Guilherme, Kelly, junto de um homem e uma mulher mais velha, que imaginei ser a avó dele.
Assim que Guilherme foi chamado para pegar seu diploma, seguindo todo o ritual, tradicional e mais importante momento da colação de grau, as palmas foram intensas. Ele era muito popular entre os colegas, assim como professores.
Aplaudi, sorrindo, feliz por ele e seu grande momento. Sabia que aquele era um grande passo na vida, talvez o maior ponto de transição para se tornar adulto e escolher o que faria da vida profissionalmente.
Enquanto ele cumprimentava todos os professores com aperto de mão, sorria daquela forma pretensiosa que me deixava com o coração a mil. Quando chegou na minha frente, apertamos as mãos e ele ergueu a minha, dando um beijo no dorso, enquanto me encarava seriamente.
Senti meu coração bater descontrolado e um leve tremor pelo corpo. Minhas bochechas ruborizaram e ele seguiu para o próximo professor, apertando a mão, como se nada tivesse acontecido de diferente comigo.
Olhei na direção de Kelly, que não parecia ter se importado muito, ainda aplaudindo o filho e com um sorriso largo no rosto.
Deus, ninguém viu aquilo, não? Será que poderiam perceber que tínhamos dormido juntos dias antes... Só dormido, não tendo feito nada além disso?
Fiquei inquieta interiormente. Ele deu seu pequeno discurso e por sorte não me mencionou nele. Agradeceu unicamente a avó e fiquei confusa pela mãe não ter sido citada.
Seguiu-se a chamada dos alunos, em ordem alfabética. Assim que o último pegou seu diploma e fez seu breve discurso, Guilherme foi chamado de volta ao microfone, onde faria o discurso final, enquanto orador da turma.
Embora eu não tivesse lido o discurso dele anteriormente, imaginava que seria carregado de emoção. E ninguém melhor que Guilherme Bailey para falar sobre o tempo que todos estiveram juntos e pelo que passaram ao longo dos três anos, visto que era o mais bem quisto e também dedicado aluno de toda a turma.
Ele não falou muito. Foi direto e ao mesmo tempo envolvente, deixando todos satisfeitos com sua fala, que tinha um gostinho de quero mais.
Do-Yoon havia sido escolhido paraninfo da turma e pela votação eu fiquei em segundo lugar. Fiquei grata por não ter sido a primeira opção, ou teria que passar a cerimônia toda em evidência e não gostava daquilo. Claro que um dos motivos é que eu tinha minha parcela de culpa ao ter me envolvido com o aluno orador da turma. Por sorte, depois de alguns minutos Guilherme estaria enfim livre do Ensino Médio e da Escola Progresso. E se acontecesse algo entre nós, não estaríamos quebrando nenhuma regra.
Tentei repelir aquele garoto de entrar na minha vida de todas as formas. Mas desde o primeiro momento que o vi, ele me chamou a atenção e eu não podia negar para mim mesma aquilo. No fim, não chegou a acontecer nada sério entre nós. Mas poderia ter acontecido sim. Fui forte e me senti orgulhosa por, depois de anos sem sexo, suportar ser tocada por aquele menino absolutamente lindo e sexy e não transar com ele.
No entanto eu não sabia o que aconteceria de agora em diante. Não havia mais empecilhos. E talvez fosse hora de seguir minha vida, apagando as lembranças de “el cantante”, que já tinha organizado seu futuro.
Nosso reencontro talvez tenha sido somente para fechar o que havíamos começado e não terminado. E sim, o destino me deu uma oportunidade de vê-lo e contar sobre nossa filha. E eu desperdicei... Em nome da minha boceta e uns dois orgasmos.
- ... E eu gostaria de em nome de todos, agradecer a professora Sabrina por toda dedicação e preocupação que teve conosco, se importando não só com nossa aprendizagem, mas também com o nosso futuro longe da Escola Progresso, quando organizou uma aula falando sobre como era a vida de um estudante Universitário, trazendo inclusive um aluno da Faculdade para nos falar sobre sua rotina e aprendizagens fora do Ensino Médio. Professora, você foi importante para nós. E ficará guardada dentro dos nossos corações... Sem dúvida. – Ele fez um coraçãozinho com os dedos na minha direção, causando-me certa timidez.
Fiquei inquieta na cadeira quando ouvi as palmas e olhares na minha direção. O garoto poderia ter me deixado fora de seu discurso. Mas não, ele não conseguia me deixar fora da sua vida, um minuto sequer.
Não prestei atenção no restante do discurso, que acabou em poucos minutos. Fui a única professora homenageada por ele.
A Diretora Sibila estava a ponto de encerrar o cerimonial quando Rachel Roberts levantou de seu lugar e pediu o microfone.
Claro que todos ficaram confusos e curiosos com a reação da formanda. E eu... Senti medo, muito medo.
- Boa noite a todos os presentes... – ela disse, sorrindo de forma doce – Tentei ser oradora também, mas Gui é muito mais popular do que eu – houve risadas – Mas não podia deixar este momento passar em branco. Até porque, nosso querido colega Gui Bailey também merece ser mencionado, não acham?
- Sim... – Os colegas falaram, olhando na direção de Gui, alguns abraçando-o, esperando pelo discurso da colega e ex namorado do garoto.
- Eu comecei a namorar com Gui aos quatorze anos. Neste meio tempo, tivemos muitas brigas... Algumas foram intensas, outras menos. Mas sempre o amei...
A Diretora tentou tirar o microfone das mãos dela, dizendo em tom baixo:
- Rachel, isso não é momento para declarações de amor. Pode fazer depois.
Ela deu um passo para trás, não disposta a largar o microfone. Percebi que ela estava chorando e fiquei muito abalada.
- A questão é que, nestes quatro anos, nunca deixei de amá-lo... E sabia que não importava o que acontecesse, ele sempre voltaria para os meus braços...
Olhei na direção de Guilherme, que se abaixou um pouco na cadeira, demonstrando insatisfação e vergonha com o discurso da ex.
Os olhares felizes e sorrisos se transformaram em rostos curiosos e tristes. Acho que sabiam de antemão que Rachel faria um escândalo, tentando reaver o namorado.
- E assim como Gui, eu também preciso agradecer à professora Sabrina... Por nossa relação ter acabado de vez... – Ela olhou na minha direção.
Fiz menção de levantar, mas Do-Yoon me impediu, dizendo no meu ouvido:
- Tarde demais. Fugir é pior. Enfrente de cabeça erguida.
Respirei fundo e olhei na direção de Gui, que tentou levantar também, certamente para impedi-la de me expor, mas foi contido pelos colegas, como se tudo aquilo fosse combinado anteriormente... Ou não.
- A dedicação e preocupação da professora Sabrina conosco foi realmente constante... – ela riu – Até demais, na minha opinião. E claro que seus ensinamentos foram além da sala de aula e ela se preocupou com o futuro de alguns fora da Escola Progresso. Mas isso não serviu para todos... Só para o seu escolhido.
Meu coração começou a bater tão forte que eu via meu peito balançando sob o vestido vermelho e a respiração acelerar. O frio na barriga virou constante e eu sentia medo... Muito medo.
- Se ela vai ficar guardada no coração de todos, não sei. Mas no meu, tenho certeza que não. Mas no de Guilherme Bailey, certamente. Afinal, não é sempre que uma professora ensina lições que vão além das fórmulas da matemática.
- Deu! – Sibila tentou tirar o microfone dela, sem sucesso.
- Calma, diretora. Eu posso apostar que a senhora vai adorar saber o que seus professores fazem com os alunos quando a aula acaba...
As luzes se apagaram e o telão ligou com a filmagem do fatídico dia que deixei Guilherme me tocar sob a saia. A garota teve o cuidado, inclusive, de não mostrar as partes íntimas do ex, usando uma tarja preta.
Pensei que ouviria gritos, desaforos, palavras horríveis... Mas não. Sibila desligou o telão da tomada e as luzes do auditório ligaram. E o silêncio foi pior que qualquer coisa naquele momento para mim.
Se eu podia me defender? Não... Eu não tinha defesa. Eu errei... Errei seriamente. E errei também quando não dei ouvidos para Rachel e pensei que ela seria incapaz de me expor daquela forma. Antes eu tivesse acreditado nela e pedido demissão. Eu não estaria tão fodida... Estaria “meio fodida”, como minha relação íntima com Guilherme: transar de roupa, parar na hora H, dormir junto sem tirar a calcinha. Sim, pagaria com meu emprego, meu futuro, a “meia foda” que dei com ele, porque nunca concluímos o que começamos.
Levantei e não disse nada. Saí do meu lugar, andando de forma segura, embora por dentro eu estivesse destruída. Encarnei a antiga Sabrina Rockfeller, que tinha tudo a seus pés, o mundo inteiro num estalar de dedos e nada a abalava, porque ela podia, com dinheiro, resolver qualquer coisa, embora não soubesse absolutamente nada sobre a vida real.
Quando cheguei ao lance de escadas que descia em direção à plateia, encontrei Guilherme na minha frente.
Nos encaramos e eu tive vontade de chorar. Mas não o fiz. Respirei fundo. Ele estendeu a mão na minha direção. Aquilo me deixou completamente emocionada. Ele não usou palavras, mas aquele gesto significava que ele estava ali, comigo, para enfrentar qualquer situação.
Antes que eu pegasse a mão estendida, ainda no palco, vi Kelly e a avó de Guilherme, que até então eu não conhecia pessoalmente. Elas estavam já junto de nós. Ambas eram parecidas e os olhares delas exalavam ódio.
- Como pôde fazer isso com o meu filho? – Kelly foi direta.
- Ela não fez nada comigo. Não ficou claro no vídeo que fui eu que fiz com ela, porra? – Guilherme gritou.
- Ela gostou... Não contestou. Poderia ter dito não. Mas preferiu fechar os olhos e deixá-lo se enfiar nela. Ele é um garoto, sua pervertida.
- Não aconteceu nada... Eu juro. – Falei, tentando me defender.
Ela gargalhou:
- Quer que alguém acredite em você?
- Não aconteceu – Guilherme confirmou – Porque ela não quis, ela não aceitou, pela droga do emprego. Eu sou louco por Sabrina, completamente apaixonado por ela.
- Vai lá, Gui, a garota é sua! – Ouvi o grito de um dos alunos.
Alguns aplausos por parte dos adolescentes, parecendo um final de filme clichê de Ensino Médio americano.
Só que aquele era o filme da minha vida. E eu estava fodida, sem emprego e sustentaria minha filha de que forma?
- Eu vou acabar com você – Kelly continuou – Vou processá-la e terá que vender até a sua filha para pagar o que fez com meu menino.
- Não ponha minha filha nesta história. – Falei em tom alto, com o dedo em riste para ela.
A mãe dela, vó de Guilherme, pegou meu dedo e abaixou-o, me olhando seriamente:
- Você botou o nosso Guilherme nesta história. Se tem filhos, sabe como nos sentimos neste momento.