Capítulo 57
2211palavras
2023-02-08 10:12
- Mamãe, nós vamos, não é mesmo? Diga que sim, por favor. – Melody juntou as mãos, em prece.
- Medy... Não tem como.
- Por quê?

Tinhas vezes que eu odiava responder aos porquês dela. E agora era uma destas vezes.
- Porque... – tentei pensar rápido – É longe... E mamãe tem que trabalhar.
- Mas não tem aula no Natal. – Ela arqueou a sobrancelha.
- Esta menina é simplesmente magnífica. – Calissa falou, não conseguindo desviar os olhos da neta.
- Você quer me pegar no colo? – Melody ofereceu-se.
- Eu... Ficaria muito feliz se você deixasse eu pegá-la. – Vi as lágrimas nos olhos de minha mãe, que tentou contê-las em vão.

- Mãe, ela está muito pesada por conta do gesso... Não precisa... – Tentei alertar, mas era tarde. Melody já estava no colo dela.
Calissa Rockfeller estava completamente apaixonada pela neta... Pela minha Medy... Minha filha com “el cantante”.
- Você tem cheiro de...
- Filha – ela completou – Mamãe diz que é o melhor aroma do mundo inteiro. Ela já pensou em pôr num frasco. – Sorriu, orgulhosa.

Calissa me olhou:
- Eu diria que tem cheiro de amor... Misturado com doce e ternura. – Sorriu.
Comprimi os lábios, sentindo meu coração bater fraco, como se estivesse apertado dentro do peito. Minha mãe e minha filha... Ambas tão significativas na minha vida.
- Esta menina não parece ter apenas cinco anos. – Calissa observou.
- Eu faço seis em breve.
- Não... Ainda falta tempo. Mas ela já conta os dias para o próximo aniversário assim que completa anos.
- Você também era assim.
- Eu posso ajudar você a montar a árvore de Natal na casa de praia? – Melody perguntou, com os braços envoltos no pescoço da avó.
- Claro que sim. Vovô pode ajudar?
- Sim... E mamãe e papai também?
Calissa me olhou:
- Seria um prazer... Todos nós, juntos, neste Natal.
- Não... – Falei, com a voz fraca.
- Pense que nunca sabemos quando será o nosso último Natal... E se for este?
- Não se preocupou nos anteriores... Se eu tinha sequer o que comer na ceia.
- Acha mesmo que eu nunca soube sobre você, Sabrina?
Olhei para Min-ji, que abaixou a cabeça.
- Como assim?
- Respeitei sua decisão por cinco anos, Sabrina. De onde você acha que Do-Yoon tirou dinheiro para pagar a sua faculdade?
- Foi você? – Fiquei furiosa e ao mesmo tempo incrédula.
- Sim, fui eu. E estou recebendo de volta o seu pagamento, como combinou com ele. Claro que não gostaria de pegar este dinheiro, mas Do-Yoon também não o quis. E sei que você não aceitaria que eu pagasse. Então veja como um empréstimo.
- Eu não queria que você estivesse por trás disso tudo... Eu queria minha independência, ter feito tudo sem a sua ajuda.
- E fez. Eu não comprei esta casa. Eu não visto e alimento sua filha. Eu não lhe arranjei um emprego. Também não lhe dei um carro. Mas você é mãe e sabe que jamais uma mãe é capaz de deixar a filha ir embora sem nunca procurar saber como ela está.
- Mas... – não contive as lágrimas – Você não o impediu... Nem veio atrás de mim.
Min-ji pegou Melody do colo de Calissa e levou-a dali novamente.
- Acha que não tentei? Não houve argumentos que o fizessem mudar de ideia. Eu fui fraca... Submissa... Mas ir com você significa deixar sua irmã também.
- Então escolheu ela, claro.
- Não há como escolher entre um filho e outro. Amo as duas da mesma forma. No entanto, ambas precisavam de mim.
- Eu estava grávida! – As lágrimas escorriam sem cessar pelos meus olhos e ela também estava muito emocionada.
- E eu fiz errado. E me culpei por cinco anos... E certamente levarei isso para o resto da vida. Mas sempre soube como você estava... Porque Min-ji me botava a par de tudo. Acompanhei cada passo seu, mesmo de longe. E fiz o que estava ao meu alcance, que era ajudar na faculdade. Na verdade, como já disse, foi só um empréstimo.
Eu não disse nada. Não tinha condições.
- Eu não quero que você vá para casa de praia, perdoe seu pai e tudo que nossa família fez, fingindo que nada aconteceu. Sei que não é assim... Que se um dia houver o perdão, será demorado. Só quero sua presença e a de nossa neta. J.R quer vocês... Porque estamos envelhecendo e não sabemos o dia de amanhã.
- Por que se preocuparam com isso só agora?
- Porque sempre há tempo... E é melhor depois de cinco anos do que dez... Ou nunca. Pedidos de desculpas são feitos para reparar erros... Isso quer dizer que errar é do ser humano e sempre aconteceu...
- Não consigo...
- Melody quer ir. Não é justo privá-la da convivência com os avós e a tia. Ela é parte de nós.
- Vocês não a quiseram.
- Eu sempre quis... Você sabe disto. Inclusive tentei vir conhecer Melody. Você não permitiu. E mesmo com o coração partido, eu respeitei sua decisão. Mas cheguei no ponto de perceber que cinco anos é tempo demais. E que não me importa mais o que você pensa sobre mim ou seu pai ou o que sua irmã fez no passado. Porque todos cometemos erros... E você também deve cometer os seus... Porque é humana, porque é mãe, porque é como todos nós...
- Eu vou. – Falei, num impulso, muito mais por ela, “mãe”, do que por J.R e Mariane.
Calissa me abraçou:
- Obrigada!
Minha mãe não ficou muito tempo. Realmente só queria me convencer a passar o Natal com os Rockfeller, na casa de praia, a qual íamos com frequência quando éramos crianças, mas que com o passar do tempo ficou muito mais como uma lembrança distante, já que meu pai preferia hotéis e países diferentes no nosso período de férias.
Assim que fiquei somente com Melody, voltei a fazer o nosso chocolate quente. Entreguei-lhe a caneca fumegante, com o líquido que amávamos.
- Você não pode me dar chocolate muito quente, mamãe. Eu posso queimar a boquinha.
- Eu não faria isso, docinho. – Apertei seu nariz.
- Está saindo fumaça.
- Mas eu já assoprei.
Ela bebeu um grande gole, ficando com bigode de leite.
- Amo você, Medy docinho.
- Acha que vovô e vovó vão me amar?
Suspirei, sentindo um nó na garganta:
- Medy, é impossível não amar você.
- Será que o Papai Noel vai conseguir deixar o meu presente lá?
- Papai Noel encontra as crianças em todos os lugares.
- Eu já sei que ele não vai colocar o meu papai na árvore. – Ela riu.
- Realmente não. E... – pensei no que dizer para não magoá-la – Sabe que você fez um pedido difícil, não é mesmo?
- Não é difícil...
- Talvez... Papai Noel não consiga. Seu papai tem estado bastante ocupado com os shows.
- Mas ele vai ter tempo para mim. – Ela levantou os ombros, como se aquilo fosse óbvio.
- E se Papai Noel lhe deixar um novo animalzinho?
Ela arqueou a sobrancelha, sorvendo um gole novamente:
- Podemos não ter lugar para enterrar.
- Eu... Não vou matá-lo.
- Você sempre diz isso.
- Medy, foi um acidente.
- Não estamos preparadas para ter outro animalzinho, mamãe. Vamos ficar só com Solitário II. Ele é forte... E resistente à você.
- Creio que isso pode ser um tom de ironia! – Repousei o queixo sobre os braços, que estavam sobre a mesa.
- Não... Eu... Meio que só quero o meu papai. – Ouvi o som da caneca vazia, enquanto ela bebia o último gole.
- Eu... Espero que Papai Noel a ouça.
Peguei-a no colo, subindo as escadas com ela. No fundo, sabia que aquilo era praticamente impossível. Minhas esperanças haviam se findado de vez. Mas como destruir os sonhos de uma garotinha tão especial?
E se eu tentasse mais? Se buscasse a internet como ferramenta de reencontro, como “el cantante” fez um dia? Mas e se ele fosse comprometido e eu fizesse papel de idiota?
- Vamos dormir com a mamãe?
- Não... – ela fechou os olhos, ainda nos meus braços – Eu quero dormir na minha cama... Enquanto tia Yuna não vem morar no meu quarto.
- Está bem... Vamos escovar os dentes?
- Posso não escovar hoje? Só hoje...
- Ok, pode sim, “dona porquinha”.
Ela sorriu antes de apagar completamente.
Tive dificuldade para dormir, pensando em como seria reencontrar minha família depois de tantos anos.
Remexi-me na cama e abri as pernas, me aconchegando aos travesseiros. Senti braços me envolverem e abri os olhos num ímpeto, assustada.
Embora estivesse escuro ainda, sob a luz fraca do corredor, que eu deixava ligada para facilitar a ida ao quarto de Melody na madrugada, vi Guilherme ao meu lado na cama.
Abri e fechei os olhos repetidas vezes, pensando ser um sonho... Ou pesadelo. Mas ele continuava ali. Estava sem camisa, usando somente a calça. Repousou a cabeça sobre a mão, o cotovelo apoiado na cama, um sorriso debochado nos lábios.
- Guilherme?
- Eu mesmo.
- O que... Você faz aqui?
- Estou há um tempinho observando você dormir...
Sentei, puxando as cobertas para mim, quase derrubando-o da cama.
- Você ocupa muito espaço na cama. Vamos ter que comprar uma de tamanho gigante quando morarmos juntos.
- Isso não vai acontecer... Você está louco. O que faz aqui... Na minha cama... Na minha casa?
- Entrei pela janela dos fundos. Estava aberta.
- Isso é invasão de propriedade... E privacidade.
- E você cometeu o crime de violação.
- Violação? – Olhei-o confusa.
- Violação do meu coração.
Revirei os olhos:
- Seu bobo, idiota... – Dei um tapa nele, que pegou minha mão, olhando-me seriamente.
- Não consigo ficar longe de você... De jeito algum.
- Já falamos sobre isso. E você não tem o direito de invadir minha casa deste jeito. Melody poderia estar aqui...
- Eu teria ido embora. Vim antes... Queria vê-la. Mas você estava com visitas.
- Como sabe?
- Fiquei esperando sair... Para me certificar de que não era homem.
- Está me perseguindo?
- Não. Só estou me certificando de que a minha garota não está a me trair.
Comecei a rir:
- Você bateu com a cabeça quando caiu do skate?
- Sim... E perdi a memória. Não lembro de nada do que aconteceu na minha vida antes de você aparecer, “professora”.
- Guilherme, vá embora.
Ele deitou-se na cama, tranquilamente:
- Não.
- Agora!
- Só se me disser quem eram as mulheres. – Me olhou, deitando de lado, sem importar-se com minha braveza.
- Por favor, eu imploro, vá embora. Não podemos seguir com isso, Guilherme.
Ele tocou meu rosto, alisando a bochecha e depois descendo o dedo aos meus lábios, onde se demorou. Os olhos fixaram-se nos meus e falou, com a voz rouca:
- Me dê um beijo... Então eu vou embora.
- Não.
- É só um beijo. Não pode negar isso... Você quer, Sabrina. Sei que me deseja assim como eu a desejo. O que nos impede, porra?
- Você é meu aluno.
- Em menos de um mês deixo de ser e você sabe disto. Vou me formar e deixar a Escola Progresso.
- Gui...
- Um beijo. E deixo você em paz.
Abaixei a cabeça em direção a ele, que ainda estava deitado. O olhei, com o coração batendo mais forte. O garoto era envolvente e me tirava o chão. Além de me surpreender sempre. Eu poderia esperar qualquer coisa dele. E era justo aquilo que me encantava: a espontaneidade, a vivacidade, a coragem...
Não consegui pensar por muito tempo, pois ele puxou minha cabeça em direção à sua boca, tomando-me com sua língua voraz.
O beijo era intenso... E eu correspondia não só com a boca... Mas com todo meu corpo, que vibrava com o toque dele.
As mãos foram diretamente aos meus seios, fazendo-me gemer, contida por sua boca. Deus, como ele era gostoso.
Conforme eu o devorava com minha boca, já quase em cima do garoto, ele afastou-me. Fiquei confusa, o coração acelerado, a respiração ofegante.
- Eu disse só um beijo. Vou embora... – Falou, sem mover-se.
Eu não disse nada. Só senti vontade de matá-lo... Ou tirar sua roupa e sentar sobre ele.
- Você corresponde, Sabrina. Eu não sinto isso sozinho...
- Guilherme, não podemos. – Deitei novamente, tentando acalmar meu corpo, que estava completamente preparado para o sexo.
Ele alisou meus cabelos e disse:
- Eu não sou criança. A nossa diferença de idade é pouca e você sabe disso.
- Gui... – Eu já nem sabia mais o que dizer para convencê-lo.
- Quem eram as mulheres?
Será que ele queria mesmo saber?
- Minha mãe... E a governanta da minha família... Não moram neste país.
- Onde moram?
- Noriah Norte.
- Como você veio parar aqui? Por que nunca falou sobre eles?
- Por que quer saber sobre isso?
- Porque me importo com você... E quero saber quem é... De verdade.