Capítulo 54
2218palavras
2023-02-08 10:10
Ele pareceu em dúvida sobre contar-me ou não.
- Colin, pode me dizer. Nada do que eu saiba sobre os Rockfeller ou a J.R Recording me faria voltar à Noriah Norte.
- Seu pai está praticamente falido.
- Falido? – Eu não consegui esconder um leve sorriso de satisfação, embora por dentro eu gargalhasse.
- Sim.
- Como isso aconteceu?
- A crescente chegada de novos artistas, as inúmeras gravadoras que surgiram nos últimos anos, a internet, que acaba promovendo os artistas mais do que o Marketing que ele pagava... Enfim, tudo se modernizou, mas J.R parou no tempo.
- Nunca imaginei que isso pudesse acontecer. Na minha inocência parecia que aquele negócio era simplesmente perfeito e rentável eternamente.
- E sem contar as questões jurídicas que a J.R Recording se metia, perdendo muito dinheiro. Eu mesmo entrei em causas porque seu pai me obrigou, sabendo que eram perdidas. Ele fez muitos inimigos ao longo dos anos e ficou mal falado entre os artistas do meio, que acabaram procurando outras gravadoras.
- Lembro das questões de quebra de contratos, que ele fazia questão, retirando grandes artistas de outras gravadoras...
- Sim... E pagando um valor absurdo pela quebra. Além do mais, a J.R Recording nunca foi só uma gravadora. Tinha a parte de empresariar artistas junto. Seu pai meio que confundia as coisas, se achando um pouco “dono” não só dos direitos das pessoas que ele contratava, mas das vidas delas.
- Entendo... Mas eu sempre vi este J.R. talvez você não tivesse se dado em conta.
- Na verdade eu sempre soube que ele não era um bom gerenciador de negócios. Embora forte e reconhecido mundialmente, seu pai sempre foi mais “nome” do que capacidade.
- Você... Já pensava isto quando estávamos juntos?
- Sim, mas eu ainda o idolatrava... Porque meu pai me fazia agir assim.
- Sim, eles eram muito amigos. E como estão seus pais?
- Estão bem. Meu pai parou de trabalhar. Agora os dois passam a maior parte do tempo viajando a aproveitando o que não puderam na juventude, em função de priorizarem sempre a vida profissional.
- Eles fazem bem – sorri – Sinto saudades da sua mãe...
- Por que você nunca voltou, Sabrina?
- Ele me mandou embora... E deixou claro que não queria que eu nunca mais voltasse. Fiz o que ele pediu.
- Depois de sua partida, nunca mais se falou sobre você... Nem na mansão, nem na empresa. – Abaixou os olhos, incerto se deveria falar aquilo.
- Ele avisou que faria isso... Mas eu não sabia que teria coragem. – Engoli em seco.
- Eu... Sinto muito, Sabrina... Por tudo... Exatamente tudo que houve.
- Eu já desculpei você, Colin.
- Mas eu não consegui me perdoar... E não sei se algum dia conseguirei. Porque eu perdi o que tinha de mais importante na vida.
- Eu não acho que seja o momento de falarmos sobre isso. Muito tempo se passou. Não há porque retomarmos algo que já está morto e enterrado.
- Talvez você tenha razão, Sabrina.
- Você... Encontrou alguém? Está feliz? – Perguntei, percebendo que a aparência dele estava boa.
- Não.
Respirei fundo e levantei os olhos na direção dele:
- Foi um prazer encontrá-lo, Colin. Mas... Eu preciso ir. Avisei Medy que logo estaria de volta. Não quero ficar muito tempo longe dela.
- Sim, sim... – Ele meneou a cabeça e deu um passo para trás, afastando-se.
Estendi a mão a ele, que a apertou:
- Fique bem.
- Você também.
Passei por Colin e segui meu caminho, ainda com as palavras que ele havia me dito na cabeça. Os Rockfeller estavam falidos... E Charles fazia parte da J.R Recording. Saberia ele o que estava acontecendo? Seria ele a aposta de todas as fichas de meu pai para se reerguer, já que ele estava ascendendo rapidamente?
Charles não era um homem ingênuo ou burro. Por que aceitou entrar na J.R Recording?
E... Realmente J.R teve a coragem de “me matar” perante todos... Mesmo sabendo que eu estava viva.
Aquilo doeu profundamente dentro de mim. Por mais que eu odiasse tudo que ele havia feito, era o meu pai, era a minha família que me excluía de uma forma permanente da vida deles, sendo que eu tinha um novo membro comigo, que era minha filha, a neta deles, a sobrinha de Mariane. Melody era uma Rockfeller e seria herdeira de um império do nada, em ruinas.
Eu sabia que por mais que J.R dissesse a todos que eu estava morta, era mentira. Eu tinha direito a herança, por mais que ele fingisse que eu não existia.
Pedir minha parte judicialmente, quando a J.R Recording ruía, seria como dar a primeira martelada para partir tudo em pedaços e ver o castelo desmoronar.
Talvez fosse hora de mostrar que os mortos, quando não eram “bem matados”, corriam o risco de voltar. E fortalecidos.
Entrei no quarto e entreguei o chocolate para Medy, que já esperava ansiosa. Fui até Gui e dei-lhe o outro, recebendo o olhar intimidador da mãe dele, que nada disse, só observou.
Acomodei-me na poltrona, ao lado da minha filha e Guilherme disse:
- Obrigada, Sabrina. Está muito bom.
- Mas não tem marshmellows, Gui. – Melody reclamou.
- Ei, estamos num Hospital, docinho. Quando chegarmos em casa, eu prometo muitos marshmellows no chocolate, ok?
- Gui pode tomar chocolate com a gente na nossa casa? – Melody perguntou, sorrindo na direção dele.
- Você... Conhece tão bem assim a filha da sua professora? – A mãe dele encarou-o, para em seguida olhar na minha direção.
Ouvimos uma batida na porta, e lá estava Colin. Ele ficou imóvel, me olhando.
- Dr. Monaghan, enfim nos encontrou. – Disse a mãe de Guilherme, levantando-se.
- Sabrina? – Ele me olhou, surpreso com o reencontro.
- Vocês... Se conhecem? – Kelly perguntou, enquanto cumprimentava Colin com dois beijos no rosto – É um prazer conhecê-lo pessoalmente.
- Nos conhecemos há alguns anos atrás... Quando eu ainda cursava Direito. – Tratei de dizer, antes de Colin abrisse a boca para falar que um dia fomos noivos.
- Sim... Fizemos algumas aulas juntos. – Ele confirmou.
- Mãe, poderíamos ter esperado para encontrar o Dr. Monaghan fora do Hospital. Aqui não é lugar para falarmos sobre estes assuntos. Já está tarde e Melody é uma criança. – Guilherme reclamou.
- Deveria ter pensado nisto quando aceitou ficar no mesmo quarto da menina. – Kelly me olhou, como que me culpando.
- Vamos conversar fora do quarto. – Guilherme tentou levantar-se, mas a mão o impediu.
Colin aproximou-se da cama de Melody e a analisou, oferecendo-lhe a mão:
- Olá, garotinha. Eu sou Colin.
- Eu sou Melody. Mas você pode me chamar de Medy, como todo mundo.
Eles apertaram as mãos, sorrindo.
- Você é muito linda... Embora não se pareça muito com sua mamãe.
- Eu sou parecida com meu papai. – Ela continuou sorrindo, encolhendo os ombros, como se fosse óbvio que se não parecia comigo, era com o pai.
- Bonito nome... Melody. – Ele observou.
- Vem de Melodia... Meu papai gostava do som da melodia da mamãe.
Colin me olhou, ainda com um sorriso no rosto:
- Ela é linda... E falante.
- Sim... E travessa. Caiu da escada. – Observei, apontando para a perna engessada.
- Doeu? – Ele questionou-a.
- Na hora sim. Mas agora não. Sabe que o médico disse que eu sou muito corajosa? E a minha madrinha Yuna ficou junto comigo o tempo todo, porque ela também é médica. Ela é Pediatra... E não tem namorado. – Enfatizou o “não tem namorado”.
- Hum... Que... Legal. – Ele riu, confuso, balançando a cabeça.
- Você tem namorada?
- Medy! – chamei sua atenção - O que conversamos sobre perguntas indiscretas para as pessoas?
- Tudo bem... – ele sorriu – Não me importo em dizer que não tenho namorada.
- Mas você é bonito... Por que não tem uma namorada?
- Porque... Bem... – Ele ficou pensativo.
Levantei e peguei o queixo dela, fazendo-a me olhar:
- Medy, pare, por favor. Está deixando o doutor Monaghan tímido.
Guilherme começou a gargalhar e olhamos para ele:
- Ela é assim mesmo, doutor. Tira tudo de você em minutos... E ainda assim continuará apaixonado por ela.
Melody sorriu, convencida com a fala de Guilherme.
- Então não vou deixar a menina sem resposta, não é mesmo? Eu tive uma namorada uma vez... Há muitos anos atrás – ele me olhou – Nós iríamos nos casar.
- E o que houve com ela? – A menina arqueou a sobrancelha, curiosa, não imaginando que pudesse ser eu.
- Eu não fui um bom namorado.
- Não?
- Não... Na verdade, fui péssimo. Fiz algo que a magoou muito. Então ela me deixou... E foi embora. E nunca encontrei alguém que me fizesse sentir o que eu sentia por ela.
Houve um breve silêncio no quarto antes de Melody dizer:
- Mas era só você ter pedido desculpas.
- Eu pedi... Mas era tarde demais.
Olhei para Guilherme, que observava tudo atentamente.
- Eu não paguei seus honorários para saber sobre seu passado, Dr. Monaghan – Kelly falou altivamente – Sugiro que saiamos para conversar sobre negócios.
- Sim, sim... – Colin ficou encabulado.
- Você vem? – Ela olhou para o filho.
- Ele não pode – me intrometi – Acabou de sofrer um acidente. Olhe para ele. Se pudesse ficar andando por aí, ele não estaria numa cama de hospital – não me contive com a frieza e falta de empatia dela tanto com Colin quanto com o próprio filho.
Ela abriu a boca para falar algo, mas não o fez, desistindo.
- Não acho que seja hora de falarmos sobre isso, mãe. Eu poderia ter morrido – Guilherme disse – Podemos resolver esta questão com o doutor Monaghan numa outra hora.
- Não exagere, Gui – ela foi fria – Vamos, doutor Monaghan. Preciso resolver logo esta situação.
- Foi um prazer conhecê-la, Medy. – Colin olhou-a, sorrindo.
- Eu vou dizer para minha madrinha Yuna que eu conheci um homem que combina muito com ela. – A menina falou, sem rodeios.
Colin arqueou a sobrancelha e me olhou, rindo:
- Ela é sempre assim?
Suspirei:
- Medy é tudo que você imagina e mais um pouco.
- Tchau, Medy. – Ele saiu, fechando a porta.
- Medy, você não tem jeito! – Reclamei.
- Mas eu acho que ele e tia Yuna seriam um casal ultra, mega, power combinante, como a Barbie e o Ken.
Olhei para Gui, que se segurava para não rir.
- A gente não deve se meter na vida dos outros desta forma, menininha. – Falei.
- Mas ele precisa esquecer a ex dele, mamãe. E tia Yuna precisa arranjar um namorado bonitão.
- Isso não diz respeito a você, Medy. É coisa de adultos.
- Você encontrou meu papai, Do-Yoon encontrou Lianna. E tia Yuna pode ficar com este homem bonito.
- Você o encontrou, não é mesmo? Podemos falar sobre isso? – Guilherme perguntou, os olhos escurecidos, o ciúme tomando conta da sua face.
- Você falou com ele, mamãe? – Melody brilhou os olhos, curiosa.
Ouvi o ronco do canudo no copo, anunciando que ela havia bebido todo o chocolate.
Pus o copo no lixo e limpei a boquinha dela com lenço umedecido. Desci a cabeceira da cama e arrumei os travesseiros, dizendo baixinho no seu ouvido:
- Nós vamos conversar sobre isso em casa. Agora quero que você durma, pois logo o dia já vai chegar e você nem fechou os olhos ainda.
- Me perdoa por eu ter caído, mamãe... Eu corri.
- Está perdoada. Mas lembre-se que cada vez que você se machuca, dói em você e na mamãe. Porque eu a amo mais do que tudo, entendeu?
Ela assentiu com a cabeça, a mãozinha alisando meu rosto, os olhos cansados.
Beijei a bochecha dela e comecei a alisar suas pálpebras, até que ela pegou no sono, em poucos minutos.
Olhei para Guilherme, que estava sentado com as pernas para o lado de fora da cama. Os esfolões dos braços dele estavam aparentes e eu imaginei que devia estar doendo muito.
- Às vezes acho que ela tem uns cinco anos mais do que a idade que está na certidão. – Brinquei.
- É uma menina inteligente e dócil. Não tem como não se encantar por ela.
- Sim... Ela é a minha vida todinha, num corpinho de criança.
- O encontrou? – Ele retomou a pergunta.
- Gui, eu sempre fui louca por ele. Não posso lhe dar esperanças, porque elas não existem.
- Se é louca por ele, por que não estão juntos? Você criou Medy sozinha. Onde ele estava, quando você mais precisou? Vai passar uma borracha sobre tudo que ele fez?
- Ele não fez nada... Foram desencontros do destino.
Ele riu debochadamente:
- Isso não existe, porra!
- Gui, controle-se.
- Eu sou louco por você, Sabrina. Se a perder, eu não sei o que sou capaz de fazer.
- Fale baixo, Guilherme. – Amedrontei-me.
- Falar baixo? Eu tenho vontade de gritar ao mundo que eu amo você, Sabrina.
Amor? Ele falou mesmo “amor”? Porra, eu estava fodida!