Capítulo 76
908palavras
2022-09-08 07:51
E ela foi mesmo!
Passou em casa para trocar de roupa, pegar a sua mala e o passaporte. Na hora não tinha ninguém em casa e agradeceu aos deuses por isso, assim não teria que se despedir de ninguém, mas fez questão de deixar um bilhete, explicando a sua situação.
Olhou para cada canto de sua casa pela última vez. Ela foi muito feliz naquela casa que foi comprada, construída e reformada com muito sacrifício. Lembrou das festas de aniversário que comemorara com a família e os amigos da escola e das típicas festas gregas. Várias vezes suas amigas Samantha e Dayane dormiram em sua casa...

Dormir era só um jeito de falar, pois elas ficavam fofocando a noite inteira. Falavam de tudo, sobre namorados, sonhos, medos, dramas e artistas favoritos... eram as famosas festinhas do pijama. Coisas de meninas. Coisa da idade...
Infelizmente foi naquele mesmo quarto onde Dayane recebera a notícia da morte de seus pais. Desde aquela noite passou a dividir o espaço com Helena, até o dia em que voltou para Paris.
Também lembrou de quando era criança e tinha um medo danado de relâmpagos e trovões. Alguém da família comentou que era Zeus insatisfeito e descarregava a sua ira com os seus raios na intenção de castigar a humanidade. Ela rezava para não ser castigada e seu pai sempre ia no seu quarto para rezar junto com ela. Ele dizia que Zeus não faria mal algum a ela porque ele e sua mãe jamais permitiria e ficava ao seu lado até pegar no sono...
Em ocasiões festivas, sempre ia para a cozinha para ajudar a mãe a fazer os típicos pratos da culinária grega, assim já aprendia a cozinhar. Lembrou-se de quantas vezes se acomodou no sofá da sala para ver televisão com seus irmãos ou com as amigas, seja para ver um filme, alguma novela ou um de seus desenhos favoritos.
Lembrou da hora do jantar ou dos almoços de domingo, onde toda a família se reunia, a sua avó contava as histórias de sua terra e o pai fazia o seu famoso churrasco grego, ou no sábado à noite quando pediam pizza. Seu pai sempre dizia que ia ensinar ao pizzaiolo como se faz uma pizza grega... como se ele soubesse.
Quando ela estava no meio da cozinha, começou a dar risada sozinha por conta de uma ocasião em que houve um blecaute no bairro, na cidade, no estado, no país, agora não se lembra, porém lembrou que foi com o pai até lá para ver se tinha mais pilhas para a única lanterna da casa ou se havia mais velas... não achou nem uma coisa nem outra, mas em compensação ele encontrou uma garrafa de ouzo perdida em meio as panelas e mantimentos e beberam ali mesmo no escuro. Ela não lembra se foi o seu primeiro porre, mas lembra até hoje a bronca que a sua mãe deu nele.

Ela riu com a lembrança... e mais uma vez chorou.
Saiu e fechou a porta pela última vez. Olhou para o seu chaveiro, dado por seu pai quando criança. Ele deu a ela a chave da casa para quando voltasse da escola e não tivesse ninguém em casa. Foi o seu primeiro voto de confiança e para manter a tradição, era um olho grego.
— É para te proteger de todo o mal. — Foi o que seu pai disse naquela ocasião. Decidiu levá-lo, não porque achou que voltaria para casa, mas porque precisa da proteção mística daquele artefato.
Entrou no primeiro táxi que estava parado ali no ponto perto de sua casa. Na hora, a fofoqueira da vizinha, dona Joaquina tinha que aparecer:

— Vai viajar Helena? Seus pais sabem disso? Deixa-os ficarem sabendo que você tá indo embora sem falar nada...
— Vai fundo, conta para eles para ver o soco que você vai levar da minha mãe, como da última vez, sua bruxa velha! — O taxista se acabou de tanto rir com o fora que a velha levou.
Durante a corrida até o aeroporto, Helena percorreu o olhar pelo bairro Bom Retiro, onde passou a maior parte da sua vida. Passou por algumas casas e comércios de origem grega que pertenciam aos seus compatriotas, como seus pais costumam chamar os seus amigos greco-brasileiros.
Sentirá saudades daquele bairro e da comunidade grega. Pediu ao motorista para passar em frente à imponente igreja ortodoxa grega de São Paulo, mesmo sendo fora da rota. Queria lembrar de quantas vezes foi aquele local com a sua família, para pedir a bênção dos deuses e agradecer quando alcançava as graças pedidas.
E naquele momento, ela fez questão de fazer o sinal da cruz, pedindo para tudo dar certo daqui para frente. Pediu para que sua família ficasse bem e perdão por sair assim sem mais nem menos.
"Ela Christe ke Panagia, que eles fiquem bem!" Rezou consigo mesma.
Para espantar um pouco a tristeza, mandou um áudio para suas amigas, dizendo que estava neste exato momento a caminho do aeroporto para se encontrar com Sabriel. Logo depois recebera vários áudios delas, lhe desejando felicidade e boa sorte. Em um deles, Samantha avisou que o festival terá a duração de dois dias. Se tudo der certo, pode ser que ainda consiga encontrá-lo por lá.
Na correria, ela não lembrou que precisava avisar a Sabriel que estava indo naquele instante. Pensou em mandar uma mensagem, mas desistiu. Pretende fazer uma surpresa a ele.