Capítulo 75
1332palavras
2022-09-08 07:45
Antes de viajar, Helena precisava se despedir da sua querida vovó Tina. Já não foi fácil se despedir de seus pais e irmãos. Se despedir dela seria mais difícil ainda.
— Não é bem uma despedida. Eu vou voltar. — Repetiu para seus irmãos e para si mesma numa tentativa de afastar a tristeza.
— Você vai voltar mesmo? E se ele não deixar, como vai ser? — Perguntou Hermes. Na hora em que ela ia dizer alguma coisa, Heitor já soltou os cachorros:

— Se ele ousar a fazer isso, vamos lá para te salvar irmã!
Helena só olhou para os dois irmãos com cara de paisagem. Fez o que a mãe faz sempre nessas horas, deu um tapa em cada um.
— Calados os dois. Ele não vai me prender. Eu já disse, eu voltarei e não se atrevam a virem atrás de mim, vocês entenderam?
Os dois somente balançaram a cabeça afirmando. E ai deles se não entenderam... para provar que entenderam, cada um deu um beijo em cada lado do rosto. Depois os três irmãos se abraçaram, com a promessa de se verem de novo.
Ela já acertara com o proprietário do apartamento e ele concordou em aceitar os móveis como pagamento da dívida... na verdade teve uma ajudinha de Samantha. Guardou uma parte do dinheiro que recebera de sua rescisão para extras. Levara algumas de coisas para a casa de seus pais. Providenciou toda a documentação e o visto de turista para viajar.
E o mais importante, já avisara a Sabriel que iria e que estava a caminho.

Agora vinha a parte mais difícil, que seria conversar com a sua avó... até que não era problema, pois elas sempre conversaram. Sempre que ela queria conversar, seja o assunto que fosse, sua avó sempre lhe ouvia e a aconselhava. As vezes apenas a escutava. O problema era a possibilidade de não poder mais conversar com ela.
Assim que viu Helena chegar, vovó Tina já sabia qual era o motivo da visita da neta. Estava praticamente estampado em seu rosto.
— Pelo que eu estou vendo, você tomou uma decisão.
— Sim giagiá mou. Eu vou viajar para me acertar com Sabriel. Já fiz a minha mala. Só levarei o básico, pois eu pretendo voltar para buscar o resto.

— Oh, mas que notícia maravilhosa! E isso merece uma comemoração.
Helena só viu a vó ir até a cozinha e volta de lá com uma garrafa de ouzo e dois copinhos nas mãos. Ela encheu os copos e as duas brindaram à moda grega.
— Mas não se preocupe, eu volto!
— Eu sei que vai. E espero que de preferência, você volte com ele.
Helena riu com o comentário da avó. Sentirá muita falta do seu bom humor.
— Mas eu sinto que, apesar da sua decisão, tem algo lhe preocupando...
Vó Tina era demais. Conseguia adivinhar até os pensamentos mais profundos dos outros. Não tinha como esconder nada dela. Desabafou:
— Bom eu não sei o que esperar desta viagem. Confesso a senhora que estou com muito medo, mesmo já tendo decidido ir. Pode ser que fique por lá mesmo ou não. Mas se eu ficar lá com ele, pode ser que a gente não se veja nunca mais...
Por mais que não quisesse chorar, ela chorou. Sentirá muita falta da sua família, principalmente da avó que sempre foi a sua melhor amiga. Ela era o seu Norte.
Vovó Tina entendeu a angústia de Helena. Sentiu o mesmo quando precisou deixar a sua terra natal, apesar da situação ser muito diferente. Na época não havia muita escolha, ou abandonava a sua casa ou acabaria morta em algum campo de batalha. Tentou consolar a neta.
— Querida você já fez o mais difícil, que foi decidir fazer esta viagem, que pode ou não mudar a sua vida. Quanto ao resto, deixa que os deuses resolvam por você... eu entendo o que está sentindo neste momento... senti o mesmo quando fugi da minha terra natal.
— A senhora sente falta da Grécia, giagiá?
A imigrante lançou um olhar perdido para o horizonte. Era como se tivesse voltado no tempo. Minutos depois, as lágrimas rolaram lentamente pelo seu rosto marcado pelo tempo e pela guerra.
— Oh sim. Eu sinto muita falta de lá... sinto falta da pequena vila onde eu morava, que era perto da praia, aonde eu sempre ia para catar conchinhas... do imenso campo de oliveiras, onde colhíamos azeitonas para a produção caseira de azeite de oliva... sinto falta do meu céu azul da cor do mar... E foi horrível ver aquele meu pequeno paraíso ser destruído pelos nazistas e tudo para quê? Para provar a superioridade da raça ariana. Grande coisa, como se eles fossem melhores do que o resto do mundo...
Helena já conhecia aquela história, onde o belo campo de oliveiras que a sua avó adorava brincar quando menina foi devastado para virar um campo de concentração e enviar prisioneiros para a Polônia para morrerem na câmara de gás.
— Mas voltando ao assunto... não deixe que o medo da mudança a impeça de ser feliz. Quem sabe não é essa a mudança que você está precisando? E se em algum momento perceber que não era aquilo o que queria, volte para casa.
Realmente Vó Tina sabia dizer a coisa certa e na hora certa, como sempre. Helena sorriu concordando com ela. Na hora em iria dizer alguma coisa, seu celular tocou. Era uma mensagem de Samantha com um link, pedindo para acessar o YouTube.
— Por que será que Sam me mandou isso? — Perguntou Helena para a Vó Tina. Temendo ser mais algum vídeo falando mal dela, acessou o link. Graças aos Deuses não era... é uma transmissão ao vivo de algum festival latino-americano acontecendo agora mesmo, em Miami na Flórida.
E Sabriel Reyes se apresentava neste exato momento.
Durante a apresentação, a multidão em peso perguntou sobre a sua chica de Paris. E ele, claro, para não perder o costume e o seu charme muy sexy, aproveitou a transmissão para fazer mais uma declaração de amor a ela.
"Mi chica de Paris, por favor case-se comigo! Você me deixa louco de amor. Você é a causa dos meus sonhos perfeitos, eres mi amor! Por você eu daria a minha vida inteira. Eu não me importo, você vale a pena. Eu só quero ficar ao seu lado para todo sempre!"
— Eu não acredito que ele tá fazendo isso! — Mesmo sendo apenas uma transmissão, Helena não sabia onde enfiar a cara.
— O que ele disse? — Perguntou a avó assustada com a indignação dela.
— Ele está se apresentando agora em um festival de música latina e acabou de me pedir em casamento ao vivo!
— E você tá esperando o quê, hein garota? Não deixe aquele pedaço de mau caminho dando sopa, vai logo agarrar seu homem! Se for por falta de benção, já a tem e pode ir. E se eu for amanhã na casa de seus pais e você ainda estiver lá, eu juro pelos Deuses que nunca mais eu falo com você!
Helena só ficou olhando apavorada para a avó. Ela não faria aquilo... ou faria? Bom, ela sempre soube que vovó Tina não era mulher do tipo que fazia promessas e não as cumpria. Então por garantia, resolveu partir hoje mesmo. Mas antes a abraçou, como se aquele abraço fosse o último de suas vidas.
— Sentirei saudades da senhora giagiá...
— Hum, até parece... Quando estiver com aquela delícia de homem, nem vai se lembrar da velhota aqui... eu não lembraria!
As duas riram. Quando voltaram a si, Helena notou que tanto ela quanto vó Tina estavam com os olhos cheios de lágrimas. Até queriam dizer mais alguma coisa uma para outra, mas não suas vozes não saíam. Decidiu partir antes que acabasse mudando de ideia.
— Também sentirei saudades de você Koukla, mas agora vá. Pegue aquele avião e trate de ser feliz.