Capítulo 19
1893palavras
2022-04-08 01:28
No sábado pela manhã tínhamos uma almoço em família: aniversário da minha avó. Todos reunidos para comemorar. Eu gostava destes momentos em família, embora não muito da forma negativa como a família de minha mãe mencionava meu pai. Nos últimos tempos eu estava com vontade de procurar meu pai e saber sobre ele. Entedia que minha mãe havia sofrido com o vício dele, mas ele estava curado. E por que eu não poderia lhe dar uma chance, já que não o conhecia tão bem como ela? Eu tinha dois irmãos pequenos, que eram minha família, ela querendo ou não. Mas minha mãe tentava evitar esta aproximação de todas as formas e eu não entendia se era por ciúme ou excesso de proteção. Eu já tinha 18 anos. Não tinha certeza se ela poderia me impedir.
Lorraine chegou com minha tia e sentou ao meu lado:
- Então, prima, como anda a situação com Cadu? Ainda gosta dele ou a “paixonite” já passou?
- Ainda gosto. Falando nisso, notícias dele?
- Não...
Eu não seria louca de falar a ela sobre a carta. Lorraine seria capaz de me matar.
- E já deu uns beijos no Nicolas?
- Não... Claro que não. – falei arqueando minhas sobrancelhas confusa.
- Como você resiste àqueles olhos cor do céu?
- Ele é meu amigo.
- E você louca de não ficar com seu amigo.
- Você nunca teve um amigo homem, Lorraine?
- Não tão bonitos quanto Nicolas. Senão eu não resistiria.
- Ele gosta de Val.
- Hum, então se não gostasse poderia rolar algo?
- Não. Claro que não. – expliquei rapidamente.
- Ainda assim, não entendo como você resiste.
Depois do almoço, voltei a falar com minha mãe sobre o celular. Vai que alguém da família ouvisse a conversa e tivesse pena desta pobre alma incomunicável.
- Você quer um celular? – perguntou Otto, ouvindo nossa conversa e vindo até nós. – Mas você nunca se preocupou com isso.
- Agora me preocupo, Otto.
- Por qual motivo?
Olhei para ele. Sério que ele queria que eu falasse sobre minhas intenções com o celular?
- Vou pensar a respeito. Talvez no Natal. –disse minha mãe.
- Mas falta meses para o Natal. – contestei.
- É algo muito caro para lhe presentear sem um motivo especial.
- Ok. – falei suspirando. – Mas não vou desistir, mãe. Vou continuar pedindo até você mudar de ideia. – eu ri.
- Podemos pensar a respeito. – disse Otto. – Dependendo do seu comportamento.
- Otto, você não tem nada a ver com meu comportamento. Isso não lhe diz respeito.
Falei em tom alto, chamando a atenção de quase todos. Foda-se. Éramos família.
- Ele tem a ver com seu comportamento, sim. Ele praticamente criou você. – disse minha mãe magoada, roubando todas as atenções para nós.
- Isso não significa nada.
- Otto lhe fez algo que não sabemos? – perguntou minha tia, fazendo todos se calarem e prestarem ainda mais atenção na conversa.
- Não. – confessei.
- Sabe que me passou pela cabeça que ele tenha alguma vez tenha feito algo ruim... – continuou minha tia. – Tamanha aversão que você tem a ele.
Olhei para Otto preocupado com o que acontecia. Eu não gostava dele, mas também não poderia deixar que pensassem que ele tinha tentado abusar de mim ou algo do tipo.
- Não... Otto só é um chato... Mas sempre me respeitou.
- Exatamente como eu esperava. – disse minha tia. – Otto é um ótimo homem e você uma mal agradecida. Ele ajudou sua mãe e sempre se preocupou com você. Para nós ele é uma pessoa melhor que seu pai, tanto com sua mãe quanto com você. É injusto a forma como o trata, fazendo com que as pessoas possam pensar que ele fez algo ruim para você.
- Tia... – critiquei.
- Hora de crescer, Juliet. Ninguém suporta a forma horrível e imatura como você trata seu padrasto. Não gosta dele, abra mão de tudo que ele lhe dá.
Olhei para ela completamente perplexa. Era um jogo em família onde todos me criticavam? Eles sequer sabiam o que se passava... O que se passava mesmo? Otto queria mandar em mim, mas não era meu pai. Então não tinha este direito. Minha mãe deixaria eu fazer tudo que eu quisesse, mas por ele existir e botar coisas na cabeça dela, amedrontando-a sobre tudo, ela acabava sempre fazendo o que ele queria e não me ouvindo.
- Isso só pode ser piada. – falei levantando furiosa.
- Não é... É vida real. Você não se acha adulta? Lide com isso como se fosse então.
Fui saindo, com meus olhos lacrimejando. Aquilo era injusto. Toda minha família contra mim?
Minha mãe foi atrás e eu perguntei:
- Você não vai fazer nada?
- Claro que vou... Você não vai sair hoje à noite. Está de castigo.
Olhei-a perplexa:
- Como assim?
- Chega de ser imatura. Hora de crescer, como sua tia mesma disse. E desta vez não sou que eu estou dizendo isso. É toda a sua família.
- Eu tenho outra família. Vocês não são tudo que eu tenho.
- Pois bem, pegue suas coisas e junte-se a sua nova família então.
- Mãe!
- Pode ir. Isso me deixará mal e sofrerei muito. Mas se lhe fará tão bem quanto você acha, vá.
- Eu só quero sair hoje à noite.
- E eu só quero que você não seja uma pessoa tão ruim quanto está sendo. E aceite o seu padrasto, o homem que a criou desde pequena.
- Ele não é meu pai.
- E nunca quis isso. Ele só quer ser aceito.
- Eu...
- Você não sairá e pronto.
- E seu eu for? – revidei.
- Encontrará seus pertences prontos quando chegar em casa e deverá procurar seu pai. E morar com ele no raio que o parta onde ele vive atualmente.
Fechei o portão e fui andando até a minha casa. Eu não conseguia parar de chorar. E era por ódio de todos. Como se voltaram contra mim daquela forma? Parecia que Otto tinha mais importância que eu na minha própria família. Por que esta insistência em aceitá-lo como pai se ele não era? E eu não poderia pegar minhas coisas e procurar meu pai verdadeiro, sem saber exatamente onde ele morava. E se ele me aceitaria. Na verdade, jamais deixaria toda minha vida e meus amigos para morar em outro lugar.
Otto e minha mãe chegaram no final da tarde. Eu fiquei no meu quarto e esperei que minha mãe me procurasse para continuarmos a conversa, mas ela não o fez. Fiz greve de fome, sem comer desde a hora que havia saído de casa. Mas ela pouco se importou. Agiram como se eu não estivesse dentro de casa.
E quando chegou a hora do Manhattan e eu me vi deitada em minha cama, novamente chorei desesperada. Eu odiava aquela família.
No domingo continuei fazendo greve de silêncio. Eu realmente estava furiosa. Talvez tenha sido o pior castigo que ganhei, pois eu queria muito ter ido ao Manhattan. Quando eu teria coragem de pegar minhas coisas e sumir daquela casa para sempre?
Nem minha mãe nem Otto fizeram questão de falar comigo. E isso me deixou preocupada, pois geralmente eles agiam de forma diferente. Tentei relembrar tudo que houve no dia anterior, mas não achei que eu peguei pesado com Otto. Gente, era só o Otto, por que tanto drama?
Na segunda-feira, quando acordei, meu café estava pronto na mesa. Otto não havia saído ainda. Estava na pia, lavando a louca, mas já arrumado para o trabalho. Sentei e disse:
- Minha mãe fez bolo de coco? Eu amo... Preciso deixar um bilhete de agradecimento. – puxei conversa.
- Fui eu que fiz.
Engoli em seco. Já nem sabia se comia ou devolvia a fatia de bolo ao devido lugar. Mas rejeitar e fingir que o bolo não estava perfeito era uma burrice. A comida em primeiro lugar!
- Obrigada, Otto. Está muito bom.
- Vou tentar comprar o celular antes do Natal. Mas preciso da aprovação da sua mãe.
- Mas você havia dito que não concordava. Ou tudo era uma situação para me deixar desconfortável perante minha família? – perguntei ironicamente.
- Eu só mudei de ideia. Não quero mais ocorridos como o de sábado, entende? Eu sofro, sua mãe sofre e você também.
- Sofri por não poder sair no sábado à noite.
- Que seja... Ainda assim você sofreu.
Baixei meus olhos, terminei o café e ele estava saindo quando eu disse:
- Otto... Obrigada.
Ele piscou e saiu sem dizer nada. Pela primeira vez eu me senti culpada com relação a ele. E o agradecimento não foi pela possibilidade de ter o celular. Foi pelo bolo... E o café. E a preocupação dele em fazer o que eu queria.
Quando cheguei na escola aquele dia estava louca para saber sobre o que aconteceu no sábado. Mas o principal era:
- Cadu foi?
- Não. – disseram Alissa, Dani e Val juntas.
Eu ri e coloquei minhas mãos em sinal de oração:
- Obrigada, Deus.
- Mas Tom foi.
- Hum... Eu estaria sendo mentirosa se não dissesse que estou curiosa se ele ficou com alguém ou não.
- Não ficou. – disse Dani. – E veio nos perguntar sobre você.
- E o que vocês disseram?
- Que você não pode ir, só isso.
- Boa resposta.
- Nicolas foi também. – disse Alissa olhando para Val.
- E vocês ficaram juntos? – perguntei curiosa e ao mesmo tempo torcendo para que não.
Eu conhecia muito bem Val para saber que ela nunca daria uma chance a Nicolas. E eu não queria que ele sofresse. Eu começava a gostar dele como amigo. Ele era uma pessoa especial...
- Na verdade, eu acabei de vez o que nunca começou. – disse Val. – Não quero iludir mais ele.
- Val, que decisão acertada.
- Não quer mais que eu fique com ele “obrigada” por vocês? – ela perguntou ironicamente.
- Na verdade agora que estou conhecendo Nicolas melhor eu passei admirá-lo, acredite. Ele é uma boa pessoa. Não quero que ele sofra.
- E eu posso sofrer, ficando com ele mesmo sem ter vontade?
- Acho que fomos muito injustas com você. Quer dizer, não acho, tenho certeza. E da minha parte, peço desculpas.
- Ei, você, o que fez com Juliet? – ela perguntou arqueando a sobrancelha confusa.
- Acho que eu preciso tentar mudar algumas coisas... O castigo me fez refletir.
- Por que sua mãe lhe castiga? Isso é muito cruel? – perguntou Alissa.
- Acho que ela pensa que é a melhor forma de me punir. No fim, tive tempo para pensar mesmo. Ainda assim eu poderia matar qualquer um que aparecesse na minha frente enquanto estava no meu quarto.
Senti falta de Nicolas quando saímos da aula. Era difícil não ter uma forma de me comunicar com ele sem ser nos encontrarmos pessoalmente e só podermos marcar da mesma forma.
Quando cheguei em casa, abri a porta e minha mãe disse:
- Você tem visitas?
- Eu? – perguntei curiosa.
Eu já havia estado com minhas amigas a tarde inteira. Quem iria me visitar na minha casa numa segunda-feira à noitinha?