Capítulo 29
2606palavras
2023-05-12 03:26
Ponto de vista da Maria
O resto da semana se arrastou, eu pedi ao Dan um espaço, na verdade desde o dia que o conheci ele está sempre por perto mesmo antes de eu o conhecer ela estava sempre lá. No começo eu até gostava mas agora é como se eu não pudesse respirar com ele por perto, me sinto apreensiva, assustada, eu gosto dele, gosto de verdade mas ele não me dá espaço e eu não consigo mais pensar.
No meu celular tem no mínimo oitenta mensagens e umas duzentas ligações, e eu não posso atender por que eu não sei oque falar, não sei como conversar com ele, preciso de espaço e ele não consegue entender isso. Ouço minha mãe me chamando:
- Amor, você tem visita!
Por favor não seja ele, por favor não seja ele. Desço as escadas devagar mentalizando o meu desejo de que seja qualquer outra pessoa menos ele, qualquer uma mesmo. Não era ele mas não também não esperava que fosse essas pessoas, bom uma delas eu nem conheço na verdade.
- Olá Maria, lembra de mim?
Quem estava na minha porta era o Vitor, eu o conheci no começo da semana, ele era o dono do restaurante onde o Damian bateu no garçom, mas eu não conhecia o outro homem ao lado dele. Ele era loiro, com olhos pequenos e azuis, tinha uma expressão facial muito bonita na verdade, ele era bonito, ele estava usando uma jaqueta de couro preta e um colete. Merda o colete dele é igual ao do Damian.
- Olá, eu sou o Jorge, sou o marido do Vitor. Será que podemos conversar?
- Claro.
Eu os convidei pra entrar e sentar no sofá, notei que eles estavam um pouco sem graça e constrangidos.
- Então Maria viemos aqui mais uma vez te pedir desculpas pelo que aconteceu.
- Está tudo bem, mas como conseguiram meu endereço?
- Eu pedi ao Damian, eu o conheço a muito tempo, acho que você já sabe, mas o Demian é um cara bacana, uma boa pessoa e eu não digo isso apenas porque eu o conheço tá bom?
- Foi ele que pediu pra vocês virem aqui?
- Não, eu pedi fui até ele para pedir o endereço, mas, quando eu vi o estado dele, como posso te dizer, estou preocupado.
O Jorge estava sério e me olhava diretamente nos olhos, ele queria me dizer alguma coisa mas estava tentando se controlar.
- Jorge não é? Tem alguma coisa que queira me dizer?
- Na verdade tem sim, olha eu conheço o Damian a mais tempo que o Vitor, eu o conheci quando éramos crianças, nós crescemos juntos, estudávamos juntos, quando eu completei dezesseis anos notei que tinha alguma coisa diferente comigo, eu gostava de futebol, amava motos, mas diferente dos outros rapazes eu não conseguia sentir interesse por meninas, eu não entendia nada sobre o'que eu sentia a única coisa que eu sabia era que eu recusava todas as meninas que tentavam se aproximar de mim até mesmo as que todos diziam ser as mais bonitas. Chegou ao ponto de que todos os rapazes se afastaram de mim por que diziam que eu era esquisito, na verdade hoje é até que engraçado lembrar da forma como eles me olhavam. O Damian foi o único que não se afastou, na verdade ele se aproximou mais ainda de mim, me apoiou, foi o melhor amigo que eu pude ter, e eu o agradeci muito por isso, um belo dia estávamos na casa do Damian e o Cris chegou…
- Peraí, quem é Cris? - Eu o interrompi, essa história toda era nossa… nem sei oque dizer. Ele fechou os olhos e riu, um sorriso apaixonado e cheio de saudade , era como se ele estivesse tendo uma lembrança muito boa. E então ele continuou.
- Cristian, ele era o irmão mais velho do Damian. Ele era 4 anos mais velho, e ele fazia faculdade de artes, eu já o conhecia claro, como disse eu já frequentava a casa dele desde pequeno, mas naquele ano quando ele chegou das férias da faculdade eu senti uma coisa diferente, quando ele olhou pra mim, quando ele olhou nos meus olhos eu entendi tudo, eu entendi o por que de não gostar de nenhuma menina antes, mesmo as mais bonitas, eu entendi por que não me encaixava com os outros rapazes, quando ele me olhou eu notei uma coisa que eu nunca tinha notado antes, eu notei que eu estava incompleto, eu notei que me faltava alguma coisa. E sabe como eu notei isso Maria?
Eu fiz sinal que não com a cabeça, olhei pro Vitor que estava segurando apertado a mão do Jorge, ele parecia tentar dar apoio pra ele.
- Por que quando ele me olhou eu me senti completo, pela primeira vez em toda minha vida eu me senti completo. Eu contei ao Damian achando que ele se afastaria de mim ou coisa assim, mas ele não se afastou, ele me apoiou, e pra minha sorte o Cris também gostou de mim. Com a ajuda do Damian nós começamos a sair, ele já tinha se envolvido com um rapaz da faculdade então como ele tinha mais prática ele me ensinou como agir, como organizar meus pensamentos, minhas vontades, meus sentimentos, ele me ensinou a me entender e me conhecer, ficamos juntos por algum tempo e éramos muito felizes, o restaurante eram da minha mãe, ela me criou sozinha por que meu pai nos abandonou, eu sempre ajudei ela lá, o Damian e o Cris sempre almoçavam lá, claro que era de propósito pra podermos nós ver, o Damian sempre ajudou nosso relacionamento.
Um belo dia minha mãe teve um infarto fulminante, bem na minha frente, eu fiquei arrasado, eu estava sozinho, perdido e o Cris, o Cris deixou a faculdade e voltou pra casa, pra poder ficar comigo, pra ficar do meu lado.
Sem perceber eu estava chorando, eu podia sentir a tristeza em cada palavra do Jorge, o Vitor continuou segurando a mão dele, eu não sabia qual era o desfecho dessa história mas eu podia sentir que depois de ouvir eu não esqueceria nunca mais.
- Continua Jorge, eu to aqui, eu vou estar sempre aqui. - O Vitor o incentivou a continuar, ele fez um gesto com a cabeça e respirou fundo, ele estava criando coragem pra continuar.
- O Damian e o Cris começaram a levar os pais deles no restaurante pra irem se acostumando comigo, mas não deu muito certo, o pai deles é um amor, ele apoiou o filho e respeitou a mim como alguém da família, mas a mãe deles foi contra, aquela bruxa tornou nossa vida num inferno, ele chegou até mesmo me oferecer dinheiro pra deixar o filho dela, ela não só me odiou como também me culpou pelo fato do filho dela ser gay, ela disse que eu destruí a família dela entre outras muitas coisas. Eu estava sozinho e amava o Cris mais que tudo nesse mundo, mas eu não podia deixar que a mãe dele o odiasse por minha causa, ela já não conversava com ele, o ignorava e isso doía muito nele, ele foi forte tentou proteger nosso relacionamento,ele me defendeu dela mas eu não podia mais ver ele sofrer, não podia ser a causa do sofrimento dele.
- Então você o deixou?
- Sim! Eu tomei a pior decisão da minha vida, eu deixei o restaurante por conta do Vitor, que era na época o funcionário de confiança da minha mãe e sai da cidade, eu apenas mandei uma mensagem pra ele dizendo que eu não podia fazer ele sofrer e que eu não era tão forte como ele pra lutar por nós, eu disse que sentia muito mais que era o melhor pra nós dois.
O Jorge nesse momento começou a chorar, o Vitor o abraçou e eu, bom eu já estava me derretendo em lágrimas no outro sofá, meu coração estava doendo muito com tudo isso, eu sei que nem conheço essas pessoas, mas não tinha como não sentir a dor dele.
Ele se recompôs, respirou fundo e continuou a história.
- Eu não consegui ficar muito tempo fora, na verdade com um pouco mais de uma semana longe daqui eu pude pensar direito, eu percebi que não conseguia ficar longe dele, que eu o amava com todas minhas forças, eu percebi que era injusto comigo e principalmente com ele, nós dois estávamos sofrendo pelo simples preconceito da mãe dele e isso era errado. Foi aí que eu resolvi voltar. Eu liguei no celular dele e só dava desligado, tentei ir até a casa deles mas ela estava fechada, descobri com o porteiro do condomínio que eles tinham se mudado, mas ele não me disse por que, o clube de motociclista deles também estava fechado, eu não sabia mais oque fazer até que por fim eu resolvi ligar pro Damian.
- O que aconteceu? Ele foi embora?
Eu já não conseguia controlar minha curiosidade.
- Sim. Ele foi embora pra sempre.
- Como assim pra sempre?
- Ele morreu. Ele morreu por minha causa.
Foi aí que eu me lembrei da tristeza do Dan na casa, lembrei do que ele disse no almoço quando eu perguntei se ele tinha irmão: “Eu Tinha.”
- Ele cometeu suicídio, eu o abandonei quando ele presisava de mim, eu o deixei e ele se sentiu sozinho, ele estava triste, sozinho, se sentindo abandonado então ele resolveu que seria mais facil desistir, ele pensou que seria menos doloroso morrer. Ele não quis fazer isso em casa, ele alugou um quarto de motel, ele se sentou em uma mesinha e escreveu uma carta de despedida para cada um de nós, depois ele bebeu meia garrafa de whisky e fumou quase um maço de cigarro. Ele odiava cigarros, sabe? Depois ele encheu a banheira do motel, entrou nela e cortou os pulsos, ele ligou pra polícia e passou o endereço, ele sangrou sozinho em um quarto de motel, ele sangrou até a morte por que se sentia sozinho, por que eu o deixei sozinho.
Eu não sabia oque dizer, eu me levantei do sofá onde estava e me sentei ao lado dele, então eu o abracei, abracei por que a dor dele doía em mim, e me doía também pensar que o meu Dan passou por tudo isso, eu não o conhecia nessa época, ele era só um adolescente e eu queria muito que ele não tivesse que passar por isso sozinho. Ficamos em silêncio, abraçados por um longo tempo até que o Jorge se acalmou por completo e me deu um sorriso meio fraco.
- Sabe, o Cris era um cara sensível, ele era muito diferente do Dan nessa época, o Dan era forte, ele era imparcial, ele não tinha medo de nada. Depois de uma semana no meu luto o Damain me ligou pra podermos conversar e ele poder me entregar a carta que o Cris deixou pra mim, nos encontramos em uma lanchonete próxima do meu restaurante, quando eu vi o Damian eu mal o reconheci, ele estava desolado, destruído, ele estava totalmente diferente da pessoa que ele era, da pessoa que ele sempre foi, ele me deu a carta e esse cordão.
- O Dan também tem um igual, por que ele te deu esse cordão?
- Bom vai te parecer um pouco estranho, mas isso aqui não é uma pedra normal, como eu te disse o Cris era muito sensível, ele acreditava em energias e todas essas coisas, o Cris deixou essas pedras pra mim e pro Damian como um amuleto de proteção, essa era uma forma dele tentar cuidar de nós mesmo depois de partir.
- Nossa eu nem sei oque te dizer.
- Não precisa me dizer nada, já faz um tempo que ele partiu, a casa deles foi vendida, o Damian foi embora, viajou o mundo todo e depois parou em Londres onde ele seguiu a vida e criou suas empresas, o Pai dele ainda fala comigo as vezes quando nos esbarramos por ai, eu fiquei feliz que ele e o Demian não me culparam pela morte dele, mesmo eu me culpando todos os dias da minha vida, o Vitor ficou perto de mim quando eu desmoronei, ele me ajudou quando eu estava totalmente quebrado, me ajudou a me reerguer, com o tempo nos aproximamos e bom por fim nos casamos, mantive um certo contato com o Dan por um tempo, por mensagens ou ligações, por isso sabíamos o nome da outra mas nunca tínhamos visto ela.
- Entendo.
- Maria, eu to te contando tudo isso porque, hoje nós vínhamos aqui apenas para nos desculpar pelo constrangimento que foi no restaurante, então quando fui até a empresa pegar seu endereço com o Damian eu me assustei com ele, ele está exatamente como ele estava quando me encontrei com ele pra pegar minha carta. Ele está péssimo, destruído, como ele ficou quando perdeu o irmão, entende?
- Ele está muito mal?
- Sim, olha eu to te contando tudo isso por que eu deixei o meu amor morrer, ele morreu por mim e morreu sozinho, eu amo muito o Vitor e ele sabe...
- Mas eu também sei que o Cris foi o amor da vida dele, assim como ele é o meu.
O amor deles é realmente lindo, mas fico imaginando como ele seria se o Cristian estivesse aqui.
- Maria, não perca o amor da sua vida, sei que vocês se conhecem a pouco tempo mas pode ter certeza que o quando o amor é verdadeiro o tempo não significa nada, por que o que conta é a afinidade, a alegria em estar junto, é as borboletas no estômago, o frio na espinha, é a vontade de respirar o mesmo ar, a necessidade de estar perto e eu sei que você sente tudo isso por ele assim como ele sente por você. Não cometa o mesmo erro que eu, por que não tem um dia em toda minha vida que eu não sinto a dor da ausência dele e a culpa por não ter ficado ao lado dele.
- Eu tenho certeza Jorge de que ele está com você durante todo esse tempo, tenho certeza que ele cuida de você, onde quer que ele esteja.
- Quem dera se isso fosse o suficiente Maria, eu não posso fazer mais nada, eu não posso corrigir meu erro, eu não posso segurar a mão dele e dizer que vai ficar tudo bem, mas você, você pode, não perca essa chance Maria, não perca a pessoa que você ama, não cometa o mesmo erro que eu.
- Não vou, pode deixar, eu não vou perdê-lo.
- Fico feliz, bom nós já vamos então, não vamos tomar mais seu tempo, Maria eu sei que ele te ama, mesmo que ele ainda não tenha dito, eu espero que vocês deem certo e espero que possamos ser amigos.
- Eu também espero!
Eu me despedi deles, e quando eles saíram pela porta eu me virei e encontrei minha mãe, como rosto vermelho e inchado de tanto chorar.
- Dona Amanda, estava escutando nossa conversa?
- Ai Maria para de ser chata, eu não resisti tá bom, agora o'que você tá perdendo tempo me enchendo aqui ainda, vai tomar um banho e se arrumar, eu sei que você tem uma coisa importante pra fazer agora, anda logo.
Resolvi não discutir com ela, porque no fim das contas ele estava certa, vou tomar um banho me arrumar e vou atrás dele. Eu não vou perder ele, por nada.