Capítulo 3
2782palavras
2023-01-18 23:58
Voltei a olhar para Antônio que estava concentrado em um ponto atrás de mim.
— Vamos nos sentar — disse saindo do seu transe. Ele me ofereceu a cadeira e aceitei. Ele sempre era extremamente cavalheiro comigo, acredito que por ser irmã de sua cunhada.
Ele não falou nada, apenas comeu sua comida mais concentrado que o normal e fiz o mesmo. Não era algo incomum isso acontecer, mas eu não ficava muito à vontade quando só havia nós dois na mesa. Antônio era um grande ponto de interrogação em minha cabeça.

Ao mesmo tempo que eu via coisas que não devia em seu olhar quando eu estava com Otávio, eu o sentia frio como o gelo quando só existia nós dois na sala.
— Meus pais virão jantar essa noite conosco — confirmei com a cabeça — Acha que podemos aumentar mais alguns lugares? — ele me olhou avaliativo.
—Quantos o senhor quiser — falei o encarando.
— Um casal de duques está na cidade e não sei por que meus pais os convidaram para vir até aqui.
— Duques? — engoli em seco — Será que nosso cardápio está à altura deles?
— Tudo que vocês fazem é maravilhoso, eu não quero que mude nada do que planejou, somente que aumente as porções.

— Tudo bem — falei um pouco desconfortável com essa informação.
— Rose?
— Sim — seu olhar sempre me perseguia. Suas írises eram negras como as de Otávio e eu me pegava sonhando com elas durante a noite. Isso não era bom, nada bom mesmo.
— Eu acredito em você, sei que faz sempre o seu melhor e que não vai deixar que pessoas a intimidem com seus títulos.

— Não é bem assim — falei sem graça.
— Claro que é! — ele soltou os talheres — Olha isso, está maravilhoso, não tem como eles não gostarem.
— Obrigada, senhor — ele torceu o nariz como sempre fazia. Já tinha se cansado de pedir para que eu o chamasse apenas de Antônio, mas eu não achava certo perto dos outros funcionários, eles poderiam entender errado.
— Então continue com o planejado.
— Virão somente o duque e a duquesa?
— Eu gostaria que sim, mas eles ficaram de confirmar se os filhos irão vir também — a carranca que ele fez, me deixou intrigada.
— Não gosta deles? — ele que agora tinha os olhos na comida, voltou a me olhar.
— Eu não tenho boas recordações de um deles. — Se limitou a dizer.
— Entendo — falei encerrando o assunto.
— Ele queria a mão de Margareth, mas eu levei a melhor — sorriu de lado — Mas não foi fácil, eu meio que roubei ela dele e então não somos melhores amigos.
— E o que fazem aqui agora?
— Meu pai tem assuntos a tratar da coroa. Nem sem porque eles têm que marcar uma reunião desse tipo em minha casa. Minha mãe poderia ter arranjado tudo isso na casa deles, seria mais fácil para todos.
— Às vezes querem reaproximar vocês.
— Nós nunca fomos próximos.
— Ah sim — falei olhando novamente para o prato e tentando não pensar novamente no assunto.
— Quero que fique com Otávio essa noite — eu voltei a olhá-lo — Não precisa descer com ele. Não quero que essas pessoas conheçam meu filho. Não ainda — concordei.
—Como quiser, senhor — eu não queria me intrometer mais do que o normal, mas eu sabia que a condessa faria um escândalo quando soubesse. — Só acho que seria bom avisar sua mãe.
— Minha mãe? Por que diz isso? — ele soltou os talheres e me avaliou — Você acha que ela quer que o filho do duque conheça meu filho? — dei de ombros.
— Eu não sei, mas algo me diz que sua mãe está tramando alguma coisa.
— Isso com certeza é bem a cara dela. — Sorri concordando.
— Não me entenda mal, mas esse tempo que passei na casa da minha irmã, eu consegui estudar bem sua mãe.
— Tenho certeza que sim.
— Ela está planejando algo para o senhor, eu a ouvi dizer que você não deve ficar sozinho.
— Você só pode estar brincando? Rose, você acha mesmo que ela pode se intrometer em minha vida amorosa?
— Desculpe Antônio, não devo falar assim da Lady Dion.
— Eu sou seu patrão, me fale o que acha. — E por que me doía dizer isso se era verdade?
— Eu acho que ela já está fazendo algo. Eu acho, ela não gosta de te ver triste, sempre a via conversando com Emma e Álvaro. Ela não acredita que sua vida seja sozinho. — Abaixei minhas mãos na perna e não o encarei.
— Droga! — ele se levantou alterado da mesa. — O duque tem duas filhas em idade para casamento. — O olhei, estudando sua postura tensa.
— O que pretende fazer? — me mexi desconfortável.
— Me livrar deles, é claro — sorri de lado. —Só ainda não sei como.
— Peça ajuda para seus irmãos, quem sabe eles não têm algum tipo de ideia?
— Eu não confio naqueles babacas para algo desse tipo, eu já ferrei e muito com a vida dos dois nesse sentindo. Ou se esquece dos boatos que rodaram a escola? — Assim que vieram para Antunes, Antônio fez com que circulasse o boato de que o irmão mais novo estava à procura de uma esposa, foi o suficiente para levar todas as moças disponíveis a loucura.
— Ah claro, esqueci que você está metido até o último fio de cabelo nessa situação.
— Pois é, eu nunca imaginei que um dia isso se viraria para mim. Nunca pensei que ficaria viúvo — ele voltou a se sentar.
— Sinto muito por isso — seus olhos se encontraram com os meus. — Se tiver algo que eu possa fazer pelo senhor. — Ele confirmou com a cabeça.
— Me ajude a pensar em uma saída. — seus olhos era suplicantes — Rose, eu confio em você, sei que não vai me colocar em nenhuma enrascada, coisa que meus irmãos fariam com gosto somente para se vingar.
— Pelo menos Álvaro está feliz em seu casamento.
— Pelo menos isso, já não podemos dizer o mesmo de André, então é melhor nem chegar perto desse aí. — Concordei.
— Eu pensarei em algo — falei me levantando. Já tinha perdido a fome completamente.
— Sinto muito Rose, não deixei você comer com o meu falatório — ele se levantou também — Eu perdi a fome, pode levá-lo para mim —ele me entregou seu prato e se encaminhou até a saída da sala. — Muito obrigado, Rose.
Voltei para a cozinha com os dois pratos e os entreguei a Bianca.
— Ele não gostou da comida?
— Perdeu o apetite com o assunto do jantar de hoje à noite, até eu fiquei um pouco insegura agora.
— Você só pode estar brincando comigo, não está? — Luana entrava na cozinha sem Otávio.
—Ele dormiu, acabei de colocá-lo no berço.
— Obrigada.
— O que quer fazer? — Bianca se aproximou mais de mim enquanto eu me sentava a mesa da cozinha.
— Não sei, nunca servi uma família de duques.
— DUQUES? — Bianca e Luana se assustaram e eu confirmei encostando minha mão na cabeça e o cotovelo sobre a mesa.
— Vamos ter que pensar em mais alguma coisa.
— Que “comidas chiques” sabe fazer, Bianca? — Luana questionou e eu observei a interação das duas.
—Nenhuma, só sei o que faço todos os dias. — a pobre retorcia as mãos sem parar em desespero.
— E são perfeitos, o senhor Antônio não quer que mudemos nada, mas e se não for...
— É suficiente — Dona Arlete, Lady Dion, entrou na cozinha nos pegando desprevenidas. — Tudo o que fazem é suficiente, meninas, não se intimidem pelo título dos nossos amigos.
— Lady Dion — eu a cumprimentei e como sempre ela veio e me deu um abraço, até parece que sabia que estávamos falando dela a poucos minutos atrás.
— Como está querida? — a condessa sempre fora amável comigo e com minhas irmãs, mesmo antes de seu filho mais novo se tornar meu cunhado. Ela nunca nos diferenciou por ter uma vida mais simples que a dela.
— Vou muito bem e a senhora? — a encaminhei para fora da cozinha e por não ouvir a voz grossa de Antônio em nenhum lugar, deduzi que ele ainda não sabia que ela estava ali.
— Muito bem, agora que tudo está em seu devido lugar. — Concordei. Tudo melhorava gradativamente bem, somente o vazio em meu ser que não passava.
— Isso é bom!
— Meu neto está dormindo? — Fiz que sim com a cabeça — Ele está tão bem com você, é incrível como ele se adaptou. Até Antônio se acalmou com sua a presença.
— Ele sabe que o filho dele está seguro comigo.
— Ah com certeza sabe, aquele menino é muito teimoso, mas quando entrega a confiança dele para alguém, ah menina aí a pessoa pode ficar tranquila, porque ele fará qualquer coisa que estiver ao alcance dele.
— Eu não tenho dúvidas, senhora.
— E por falar nisso onde ele está?
— Provavelmente no escritório, vou avisá-lo. — falei me afastando, mas a vi me seguir e previ que as coisas ficariam tensas em poucos segundo.
Fui até a porta de sua sala e bati devagar, sabia que ele sempre estava atento.
— Entre! — abri uma pequena fresta. Ele estava com a cabeça baixa olhando alguns papeis e demorou alguns instantes para olhar para mim, quando percebeu que eu não entrei.
— Algum problema, Rose? — seus olhos ficaram cerrados.
— Sua mãe está aqui para vê-lo. — ele fechou os olhos e eu quis rir, mas não me atrevi.
— Peça para ela entrar. — Terminei de abrir a porta e ela me olhou desconfiada.
— Para que toda essa cerimonia para eu entrar? Preciso disso agora?
— Eu estou ocupado, dona Arlete, pedi para a Rose, restringir todos.
— Até eu? — ela me olhou e me desculpei movendo a boca sem emitir som.
— Até você. — Ela não precisava saber que era o motivo do desespero de Antônio.
— Rose, nos deixe a sós.
— Claro senhora, deseja beber alguma coisa? — falei antes de sair.
—Não, obrigada — fechei a porta vendo os olhares sendo trocados e a tensão se materializando dentro da sala.
Sai o mais depressa possível de perto da sala, eu sabia que Antônio acabaria comentando sobre o que conversamos e eu não queria estar por perto naquele momento. Subi até o quarto de Otávio para ver se estava tudo bem. Meu quarto ficava junto ao dele, por escolha minha. Era muito mais fácil eu chegar a ele assim.
Quando entrei no quarto ele já estava acordado brincando com os pezinhos.
— Já acordou, meu amor? — falei o pegando no colo e o enchendo de beijos. — A titia vai te dar um banho bem gostoso e depois te levar para passear no jardim de rosas, faz tempo que você não vai até lá.
Fui até o banheiro que existia no quarto dele, posicionei a banheira e chamei Janice para enchê-la para mim. Em poucos minutos eu já brincava com o pequeno, que batia as mãozinhas dando pequenos gritinhos me arrancando risos.
— Está muito calor, você devia estar irritado com isso, não é? — ele sorria para mim o tempo todo com seus lábios e com os olhos negros como os do pai. O que me fez pensar o que tinha acontecido entre nós naquela mesa de jantar a pouco. Como eu me deixei falar tanto? Que poder era aquele que ele possuía e me fazia falar mais do que devia?
— Estou entrando — ouvi Janice dizer — já arrumei o trocador, deixei tudo que precisa. Agradeci e o enrolei na toalha ouvindo seus resmungos de descontentamento.
— Gostou tanto assim que nem quer sair, não é querido? — sequei cada dobrinha, fazendo cosquinhas nele até que risse. — Você está cada vez mais cheio de manias, o que será de mim se continuar assim, hein? — mordi seus pezinhos e ele gargalhou. — O que você quer fazer agora, tomar seu leitinho ou ir passear? — ele me olhava com interesse enquanto eu o trocava — Para que escolher, não é? Vamos fazer os dois, tomar seu leitinho ao ar livre é muito mais gostoso. — Terminei de arrumá-lo e peguei o pente para arrumar seus cabelinhos pretos.
— Acabamos, vamos passear agora — quando me virei dei de cara com Antônio encostado na soleira da porta e de braços cruzados. — Meu Deus que susto — meu coração quase saiu pela boca e apertei Otávio a meu peito, tanto que ele reclamou.
— Me desculpe, eu não quis atrapalhar — ele veio em nossa direção com seu andar matador. Aquele que parecia estar cercando sua presa e travei uma respiração. — Eu gosto de observar você e o Otávio — isso era novo para mim.
—Faz isso sempre? — ele deu de ombros.
— Hoje eu não consegui evitar ficar e ver sua reação. — Ele riu e eu quis matá-lo.
— Eu poderia ter derrubado ele.
— Acredito que não, você é cuidadosa demais.
—Você espera muito de mim, senhor Antônio.
— Esse negócio de senhor, cansa Rose. Sabia?
— E como acha que devo te chamar?
— Antônio, como já te pedi um milhão de vezes.
— Sou sua babá e governanta, tenho que dar o exemplo.
— Então aceitou ser minha governanta? — ele levantou a sobrancelha em expectativa — E afinal, eu que mando aqui e dou liberdade para quem eu quiser. — Impôs sua autoridade.
— Eu...
— Me chame de Antônio, assim como te chamo de Rose.
—Mas você chama todos aqui pelo nome — acabei falando sem querer e me senti envergonhada.
— Mas somente você pelo apelido. Seu nome é Rosely.
— Senhor, eu não posso, sinto muito — ele estava acariciando o filho e me olhou por um breve segundo antes de confirmar — Espero que não tenha sido tão ruim com sua mãe. — Mudei de assunto.
— Não falei nada, se é isso que pensou.
— Eu realmente achei que fosse brigar com ela.
— Eu ainda não tenho provas, e como um bom investigador que sou, eu espero o momento certo para dar o bote —meu sangue gelou assim que ele piscou para mim.
— Mas ela é sua mãe, também deve ter sentido algo de diferente quando fiz aquela cena para ela entrar em sua sala. Me desculpe.
— Não, foi bom, eu não quero que ela fique entrando aqui se está com intensão de me casar.
— Você não vai se casar com mais ninguém? — era uma pergunta que me consumia no final da noite.
— Não, não vou. Margareth foi e será a única em minha vida.
— Sim, é bom deixá-la ciente disso para que não cause mal-entendidos futuros — tentei me afastar, indo em direção a porta.
— Não vai haver, quando ela entender o porquê, ela respeitará minha decisão.
— Tenho minhas dúvidas.
— É, eu também.
Sai do quarto deixando Antônio pensativo, eu sabia bem que a mãe dele só queria sua felicidade e não acreditava que ele poderia fazer isso sozinho. Andei com Otávio até o jardim de rosas e dei sua mamadeira lá. Eu amava aquele lugar, era lindo e silencioso. Brinquei com o bebê o quanto pude. Mas a tarde se passou rápido demais, me fazendo subir com ele e terminar de coordenar tudo para o jantar.
Os pais de Antônio foram os primeiros a chegar, ficando irritados por Otávio não ser apresentado a família de duques. Os duques chegaram poucos minutos depois, com suas duas filhas.
— Rose! — ouvi a condessa me chamar. Como Otávio estava dormindo eu ajudei nos últimos afazeres da cozinha.
— Sim, senhora? — fui até ela.
— Atenda a porta, por favor? — eu não entendi seu pedido, mas fiz mesmo assim. Quando abri dei de cara com duas joias azuis olhando para mim. Fiquei paralisada por um segundo, até me lembrar o que estava fazendo ali.
— Boa noite, senhor! — falei sem saber exatamente quem era ele.
—Boa noite — ele falou me avaliando — Acredito que meus pais já tenham chegado. Sou Arthur Vasconcelos, futuro Duque de Bermom — e atual inimigo de Antônio.