Capítulo 10
2650palabras
2023-01-10 21:43
Ah, 2012.
Se aquele fosse o fim do mundo mesmo, como os astecas haviam previsto, Cristina ia morrer feliz.
Ela sorriu sem perceber e continuou olhando para James, que continuava dando sua aula sem dar sinais de que notara sua presença. O porquê de ela estar assistindo aquela aula, sendo que já fizera a matéria duas vezes, não era um mistério tão grande assim, mas ela preferia sinceramente não pensar na questão.

O fato era: desde setembro do ano anterior, ela era uma mulher muito mais feliz.
Desde a primeira noite que passaram juntos, James mudara de ideia, felizmente, em relação à sua postura anterior de resistência, e decidira que dormir com ela não era nada ruim. Portanto, desde então, Cristina sumia de casa pelo menos uma vez por semana para ficar com ele, se blindando sempre com a desculpa que ia dormir com Maurício – que não desconfiava de nada, e que Deus fosse louvado por isso – caso sua mãe perguntasse algo.
E assim fora sua vida nos últimos meses. Claro que ela reservava grande parte do tempo dando atenção a Maurício, de quem ela gostava de forma peculiar. Na outra parte, ela ficava com James. Em parte por falta de tempo e por falta de saco, ela não dava mais a mínima para a faculdade. No ritmo que a coisa andava, ela repetiria em, no mínimo, três matérias. O motivo que a fazia se dedicar não existia mais. E, sendo uma boa aluna ou não, ela acabaria se formando, uma hora ou outra. Era esse o sistema.
E, nessa confusão toda, Miguel, na condição de paixão platônica e proibida de Cristina, acabara sendo eliminado da lista de prioridades dela. Aliás, sua esposa, Olga, também saíra da lista de Cristina de Coisas Para Destruir E Eliminar. Afinal, guerra para quê?
Cristina se sentia satisfeita como um gato empanturrado de leite, em suma. O mundo e a vida eram perfeitos e ela era quase totalmente feliz. Só faltava casar com Maurício e virar rica e dondoca, coisa que ela tinha certeza que não demoraria tanto assim para acontecer.
E, quando acontecesse, ela abraçaria e beijaria Olga. Eis o bom humor que estava, totalmente disposta a esquecer as ofensas passadas.

Afinal, Olga não fizera nada para ela nos últimos tempos.
De repente, todos se levantaram e foram saindo da sala, tirando Cristina da sua linha de pensamentos. Pela hora, intervalo. Mas, antes que Cristina pudesse pensar em levantar, alguém apareceu na cadeira do lado dela.
- Oi, Cristina – disse Olga em voz muito simpática.
Cristina quase morreu de susto, ao mesmo tempo em que tinha uma sensação ruim, como uma tragédia iminente estivesse perto do estouro.

Depois, tentou relaxar.
- Oi, Olga. O que você está fazendo aqui?
Olga Rachmaninoff fazia enfermagem do outro lado da cidade. Por que diabos...
- Posso assistir a qualquer aula em uma universidade pública – respondeu ela.
- Sei bem disso – devolveu ela, com pleno conhecimento de causa – Mas você faz Enfermagem. Nada a ver com História.
Por mais que seja estranho imaginar uma ninja cuidando dos doentes, Olga realmente parecia gostar daquilo desde que entrara na faculdade, tanto que voltara quando o filho mal tinha um ano.
Mas aquilo não importava. A pergunta era por que ela estava ali.
- Não sabia que você se interessava por História – disse ela, casual, jogando uma isca.
Olga sorriu, e não era um sorriso bom.
- Vim fazer uma investigação – explicou ela, segurando melhor sua mochila roxa no colo.
- Investigação, é?
- Sim. Investigar o motivo do seu bom humor por todos esses meses.
Cristina engoliu em seco.
- Sou uma pessoa bem-humorada.
- Com os outros, talvez. Mas comigo, não. Decidi investigar.
- Chegou a alguma conclusão? – perguntou Cristina, sabendo que apostava numa estratégia perigosa e ousada demais.
Olga acenou com a cabeça para a esquerda. Cristina seguiu a direção com o olhar e, horrorizada, viu que ela indicava James, que naquele momento conversava com Bruno, o monitor, e olhava para as duas ocasionalmente.
- Pelos seus sorrisos na aula e sua reação agora, acertei minha primeira hipótese – disse ela bem devagar, com um tom de voz que quase deixava escorrer veneno – Achava que você estava com alguém na faculdade. Só não esperava que fosse um professor.
Cristina, calada. Qualquer palavra agora poderia comprometê-la. Afinal, pensou ela, com o coração batendo forte, Olga não tinha prova nenhuma do que dizia.
- Isso é só uma hipótese que você não pode provar – disse finalmente.
Olga piscou pra ela.
- Foi só para você saber que eu sei. Agora, tenho que ir. Tchau.
E levantou-se, saindo com aquela mochila abominável nas costas, junto com Bruno, o monitor.
James olhou para ela e, percebendo que estavam sozinhos, fez sinal para que ela se aproximasse. Ela se levantou e foi até ele.
- Quem é ela? – perguntou, curioso.
- Olga Rachmaninoff – respondeu Cristina como se estivesse dizendo uma obscenidade.
- Nunca ouvi falar.
- É a esposa do meu cunhado.
- Isso se chama cunhada, Cristina.
Cristina ficou calada. Achava inconcebível que Olga fosse de alguma forma sua parenta e negaria isso até o fim da vida.
- O que ela queria? A conversa de vocês parecia ser um pouco tensa.
- Me deixar saber que ela sabe sobre você.
James não falou nada.
- Você não negou?
Cristina deu de ombros.
- Falei que era só uma hipótese que ela não podia provar.
- De qualquer forma, ameaçou você.
Cristina assentiu. James ficou olhando para ela um tempo antes de falar de novo.
- Se você quiser desistir, me deixe saber.
Ela o olhou como se ele fosse louco.
- Depois de tudo que passei para chegar a isto? Nem pensar.
Ela achou que James fosse sorrir, mas ele continuou muito sério.
- Não quero prejudicar você, assim como não gostaria que você me prejudicasse. Se quiser que eu suma da sua vida, avise.
- Besteira – disse Cristina, determinada – E, além disso, o que Olga pode fazer?
- Não posso dizer, não a conheço.
- Eu a conheço, ela é idiota demais para bolar qualquer coisa. Agora – fez ela, com um pequeno sorriso - vem aqui, vem. Você estava lindo dando aula. A Guerra Fria nunca foi tão sexy.
James não conseguiu se conter e sorriu enquanto Cristina o puxava pela camisa e o beijava. Não demorou muito até ela estar em cima da mesa. Foi quando pensou se não estavam passando um pouquinho dos limites do perigo. Em seguida, descartou o pensamento. Que se danasse. Olga já devia estar longe.
Infelizmente para ela, não estava.
-
Cristina lera A Arte da Guerra. Algumas partes, até mais de duas vezes. E apesar de, em algumas partes, o subtom do livro parecer paradoxalmente pacifista, Cristina passara por cima de tudo isso e se concentrara mais nas partes que ensinavam como destruir seu adversário.
Apesar disso, ela não percebera o verdadeiro objetivo de Olga ao aparecer naquele dia tão longínquo na faculdade. Como não percebera? Ela mesma já tinha feito parecido.
- É mentira – disse ela com um uma espécie de pânico que nunca soaria bem em sua voz.
Assim como o sorriso que a Olga exibia atualmente nunca ficaria bem no seu rosto.
Aliás, nenhuma expressão ficava bem no rosto de Olga.
- Quer ver?
Cristina assentiu, a garganta seca pelo medo.
Olga esticou seu pescoço de girafinha e checou se não havia ninguém por perto. O único outro ser presente na sala era o pequeno Yuri Alexei, que veio engatinhando na direção delas. Depois de puxá-lo para o seu colo, Olga sacou a câmera do bolso de casaco. Depois de apertar alguns botões, mostrou-a para Cristina.
E ela viu. Desde que Olga sentara do seu lado e lhe contara sobre o vídeo que fizera, ela imaginava o que seria. Mesmo assim, ela não teria conseguido conter a vontade de jogar a câmera varanda abaixo se o troço não estivesse seguro com Olga.
Como ela podia ter sido tão burra?! Sun Tzu dissera claramente: Não inicie seu movimento à frente a não ser que haja uma vantagem a ser obtida. Obviamente Olga não estivera na faculdade não fora só para dizer oi para Cristina ou ser instruída em História. Fora conseguir uma prova.
Engoliu em seco. Isso que era provar do próprio veneno.
Sendo que ela tinha muitíssimo a perder.
Olga a observava, esperando o próximo movimento. Com os olhinhos apertados daquele jeito, parecia uma serpente. Embora tivesse engravidado duas vezes antes dos vinte anos, não era tão burra assim, pelo menos não como Cristina achava anteriormente. Ela sabia o que fazia. Pelo menos naquela situação, sabia muito bem. Tanto que esperara alguns meses para encurralar Cristina daquele jeito, pegando-a relaxada e totalmente desprevenida.
- E então? – perguntou Cristina – Quais são as suas condições?
Olga sorriu de novo, e o efeito foi terrível em qualquer sentido que Cristina conseguia imaginar.
- É essa a beleza – começou ela, colocando no chão um Yuri que começava a choramingar, onde ele recomeçou imediatamente a engatinhar, e inclinando-se para Cristina – Não existem condições.
Cristina piscou, sentindo um misto de horror e fúria.
- O quê?
Se Olga sorrisse de novo, Cristina quebraria a cara dela. Ah, se ia. Existem pontos de irritação em uma mulher que jamais deviam ser ultrapassados. Agora ela sabia disso.
- É o que você ouviu. Sem condições. Vou mostrar esse vídeo para o Maurício de qualquer forma.
- Vejamos – disse Cristina entredentes.
- Vejamos? O que você planeja, invadir meu apartamento e roubar a câmera? Bem, informo que tenho uma cópia.
Cristina rilhou os dentes, ao mesmo tempo em que Olga se levantava, pegava Yuri e saía. Era tudo culpa de James. Era culpa dele que ela estava naquela situação. Se não fosse ele, Cristina não estaria prestes a perder um casamento no qual investira tanto tempo.
Agora sozinha na sala, ela fechou os olhos, recostou-se no sofá e começou a pensar com certo desespero em alguma solução, qualquer solução que a tirasse daquela lama.
O tempo pareceu infinito enquanto pensava. Mas ela acabou vendo a luz e abriu os olhos, sorrindo.
Os espiões são os elementos mais importantes de uma guerra, escreva Sun Tzu mais de 2.500 anos antes.
Jamais algo tão sábio fora escrito.
-
- Você traiu o meu irmão?
- Shhh. E eu não traí – mentiu, e assim inaugurou a estratégia Culpe O James - Ele me agarrou. Eu não...
Miguel fez sinal para que ela parasse.
- Não precisa se justificar comigo – disse, mas Cristina tinha quase certeza que aquele ar enciumado súbito não era bem imaginação sua - Agora, porque você me contou isso?
- Quando isso aconteceu, sua esposa registrou em vídeo.
Miguel fez uma careta.
- Vocês não podem parar com isso? Fazer as pazes?
- Não – respondeu Cristina imediatamente.
- Você é quem sabe – disse ele meio desgostoso – Mas o que você quer de mim?
Os dois estavam sozinhos no apartamento onde Miguel e Olga moravam com o capetinha. No caso, mãe e filho haviam saído para um consulta médica, porque pelo visto o moleque andava tossindo muito. Alguns andares acima, a cobertura estava vazia. Teresa estava fazendo um lifting que Cristina duvidava que fosse melhorar em algo a sua cara, e Maurício em algum lugar na cidade, envolvido em suas pesquisas.
Cristina soubera de tudo isso com antecedência. Só não soubera com cem por cento de certeza se Miguel estaria no apartamento. Contara com a sua conhecida procrastinação para que conseguisse falar com ele a sós, sem que ninguém, especialmente Olga, olhasse para eles semiescondido atrás das portas.
E, graças a Deus, ele estivera em casa. Procrastinando. E agora Cristina podia pedir ajuda para resolver aquela questão de vida ou morte.
- Eu quero – começou ela depois de um respirar fundo – que você procure o vídeo. E o apague de todos os lugares de onde esteja.
- Você quer que eu sabote minha esposa?
- Sabotagem é uma palavra muito pesada, Miguel. É só uma... questão de desfazer algo injusto.
- Por que injusto? Não era ela que estava de casinho com um professor. Não, desculpa, Cristina. Eu sou leal.
Cristina murchou. Realmente, o que ela esperava? Eles eram casados e tinham um filho. Era óbvio que ele se recusaria.
- Por outro lado, minha lealdade pode ser negociada, sabe.
Cristina, que olhava em direção à janela, virou a cabeça tão rápido que o pescoço estalou.
- A sua lealdade pode...
- Ser negociada. Claro que sim. Não posso deixar as oportunidades da vida passarem. Diga-me, Cristina, o que você me oferece como pagamento para essa sabotagem?
Cristina abriu a boca para falar e depois a fechou quando percebeu que não tinha nada a dizer. Porque ela sabia bem o que podia oferecer que ele queria. Sabia muito bem. Quando encarou Miguel e viu aquele olhar de expectativa, teve certeza.
- Então, se eu pagasse algo – começou ela, e viu os olhos dele adquirirem um brilho súbito -, você faria mesmo?
- Faço. Não é nada absurdo.
- Ótimo. Obrigada.
- Não me agradeça ainda – disse ele numa voz baixinha que deu arrepios em Cristina, inclinando-se para beijá-la.
Cristina se desviou, achando graça da expressão de incompreensão dele.
- Não vai ser tão fácil, Miguel.
- Cristina – começou ele muito paciente – interprete dessa forma: você tem que pagar para ter o serviço realizado.
- Nada garante que você vai fazer o trabalho depois de se aproveitar de mim. Você pode bem dar um calote.
- Não vou comer e fugir da coisa, se é isso que você está falando. Tenho princípios.
Oh, dava pra ver. Grandes princípios, sexo com a garota do seu irmão.
- Não posso confiar em você, Miguel. Você vendeu sua lealdade para mim tão fácil. O que garante que você não venderá de volta para Olga?
- Porque Olga não é uma questão de honra para mim.
- Isso simplesmente não me convence. Você é um homem como qualquer outro, Miguel. Honra não modifica a questão de poder mudar de lado e me ferrar.
Ele não disse nada, só ficou olhando.
- Então você vai ter que confiar em mim, Cristina.
Foi quando ele foi para cima dela e a beijou.
Ele não era um grande beijador. James era melhor. E tampouco era um cavalheiro. Maurício era. Cada vez que ele pusera a mão numa parte diferente do seu corpo, não fora sem perguntar se podia antes de forma hilariamente inocente. Miguel era muito diferente. Cristina continuava vestida, mas isso não o impediu de ter alcançar cada centímetro de pele que fosse possível, sendo fácil o contato ou não.
Quando ele parou, Cristina estava toda suada, com a roupa bagunçada em vários pontos e completamente trêmula.
- E então – perguntou ele num sussurro, ainda em cima dela – gostou?
- Aceitável – declarou ela, não querendo encher a bola dele, se desvencilhando com esforço.
Miguel a encarou com um olhar descrente, mas divertido.
- Aceitável? Com você toda assim? Você está mentindo muito mal, Cristina.
Cristina continuou se concentrando em respirar e não disse nada. Miguel se esticou para a mesinha de centro e pegou o celular.
- Olga deve estar chegando – disse ele assim que viu as horas – É mais tarde do que eu imaginava. Melhor você ir se não quiser perguntas comprometedoras.
Cristina se levantou e arrumou a roupa, tentando disfarçar o quanto ainda estava trêmula.
- Então temos um acordo – disse ela para confirmar.
Miguel assentiu.
- Acho inclusive que já o selamos – observou ele com os olhos cheios de malícia.
Cristina se esforçou para não assentir em plena concordância. Agarrou a bolsa e saiu do apartamento com as pernas tremendo que nem gelatina.