Capítulo 3
2057palabras
2022-12-28 00:44
Até o fim do ano, Cristina só viu Olga mais uma vez, no aniversário dos gêmeos, em novembro. Aquela festa, ostentosa como mandava o manual da classe dominante brasileira, foi um ótimo, evento, aliás. Olga tentando disfarçar, mas putíssima da vida com Cristina, que percebera ter quebrado a casca da rival, enquanto os dois garotos estavam meio irritados, talvez por mais uma ocasião em que se lembravam, de novo, que partilhavam algo, e a sogra, claro, se lamentando por alguma tristeza de sua lamentável vida de rica. E o sogro. Era a primeira vez que Cristina o via. De longe, claro, porque ele saiu rápido para resolver algum assunto e não voltou mais. Ricos workaholics. Haviam outros convidados, a maioria de Miguel, pelo nível de falta de educação, ou de amiguinhas da dona da casa, pelo esnobismo, mas Cristina não se importava com mais ninguém.
Então, como ela realmente não ligava, e como Maurício tinha sumido, resolveu ir para a varanda pensar em algumas coisas. O que fazer com a santa foto, por exemplo, que já sumira de sua câmera para ter uma cópia no computador (oculta, claro) e outra escondidinha no seu MP4. Uma vez lá, seus pensamentos fluíram rapidamente para outras direções, como seu gostosíssimo professor de história, no qual ela ainda investia quase violentamente (de preferência, longe dos outros alunos, principalmente de Maurício), e no seu cunhado que exalava sexualidade.
- Eu ainda queria saber porque você tirou aquela foto.

Cristina quase morreu de susto.
- Oi, Miguel.
Os gêmeos faziam 18 anos naquele dia, e Miguel já tinha um copo de uísque na mão.
- Você não tem vergonha?
- Não, e você está fugindo do assunto.
- Mas sua mãe está bem ali, e você bebendo.

- Está muito ocupada desabafando alguma coisa com as amigas dela, e você continua fugindo do assunto.
- Eu não sei do que você está falando.
- Não? E se eu vasculhasse seu computador? Digo, acho que você não é burra o suficiente para manter aquilo na câmera.
- Você não saberia minha senha.

- Eu sou meio hacker.
Cristina achou que ele soava pretensioso demais. Mesmo assim, não quis arriscar.
- Não ia achar nada – mentiu.
Miguel ficou meio desconcertado. Aquilo acontecia muito com as pessoas em torno dela. Ela era uma excelente mentirosa, muito convincente. Além de muito bonita. Pouco modesta, também.
- Eu acho que tem – opinou ele, se apoiando nas grades, e foi naquela hora que Cristina viu muito distintamente uma cicatriz que ele tinha na testa, perto do couro cabeludo. Parecia ter sido um machucado feio.
- Acha que eu estou mentindo?
- Pra falar a verdade.
- Eu não teria que mentir bem demais?
Miguel riu.
- Sua cínica. Agora diz – continuou ele antes que Cristina pudesse reagir – você gostou?
- Gostei de quê?
- Da minha foto. Você entendeu. Aposto que você viu melhor.
Cristina se segurou para não deixar transparecer sua admiração. Claro que ela tinha visto. Depois que Bárbara tinha falado, ela tinha que ver. E, bem, a única coisa que ela podia dizer era que Olga Rachmaninoff era uma garota de sorte. Maldita.
- Eu não tirei foto nenhuma, cacete! – mentiu ela com o maior empenho que conseguiu.
- Agora, você não mentiu bem. Dá pra ver que você está admirada. E eu tenho certeza que você estava lá.
- Sabe, é? Como você saberia? Tenho certeza que não me viu.
- Quem tirou as fotos foi outra pessoa – declarou ele com uma certeza retumbante - Mas você devia estar no corredor se divertindo. Senti seu perfume. Aliás, do outro lado da cidade dá para sentir seu perfume.
Cristina ficou tão indignada que não teve o que responder. Nisso, deu espaço para Miguel continuar seu ataque.
- Isso agora é um palpite, mas – começou ele, se aproximando – também tinha muito condicionador misturado naquele cheiro, acho. Então você deve – levou a mão até a nuca de Cristina e a acariciou – ter colocado o perfume bem... aqui.
Cristina tremeu toda. Quem dizia que a nuca era uma zona erógena nula ou estava muito errado ou era um frígido.
Era naquelas horas que Cristina não sabia se era poligâmica ou só puta mesmo. Porque parecia maldade, tantos homens gostosos no mundo e ela condenada a ficar com um só que, francamente, nem era o melhor dos que ela tinha em perspectiva. Aquele professor James, Deus do céu. Cristina não acreditava que a Segunda Guerra Mundial pudesse ser sexy, mas era enquanto ele estava falando. E Miguel. Jesus, Maria e José. A cada centímetro que se aproximava dele, Cristina se sentia mais e mais tentada a beijá-lo. Porque, ah, porque agora ela tinha certeza que ele queria também. E se Cristina tomasse a iniciativa, ou se só esperasse mais um pouco, ia acontecer.
Faltavam só uns cinco ou sete centímetros quando ela hesitou. Mas ela já tinha um dos pássaros na mão. Não ia soltá-lo, nem pensar.
- Pra sua informação – disse ela, se desvencilhando dele e indo na direção da porta de vidro da varanda – eu nunca coloco perfume na nuca. Só atrás das orelhas. E eu não tirei essa maldita foto de você sem roupa.
E saiu, tentando manter uma cara normal de quem estava tendo uma conversa sem segundas intenções com o cunhado.
O mundo parecia glorioso naquela virada 2009/2010.
Não só porque Cristina estava numa maravilhosa cobertura de Ipanema, uma das muitas propriedades do sogrão. Também porque as coisas estavam se acertando na vida dela em todos os aspectos. Ela passara no vestibular, e a mãe deixara de encher tanto o saco. Maurício passara no vestibular da mesma universidade, mas estudaria do outro lado da cidade, o que era muito importante se Cristina fosse fazer algo errado na dela (e ela planejava fazer). Maurício também melhorara um pouco na cama pela prática, o que levou Cristina a pensar se o problema dele era simplesmente o fato que ele era virgem antes dela. Ou era isso ou ele não gostava muito do traçado. Ele escolhera Letras, pelo amor de Deus.
Miguel estava há um tempo sem ficar insistindo. Estava grudado em Olga, que, aliás, estava naquela virada de ano também. Talvez tivesse percebido o lance de um pássaro na mão em relação à Olga, que talvez amasse da forma dele. Ou talvez só tivesse percebido que ficar com a cunhada era um troço muito socialmente condenado. Embora, se tivesse percebido, Cristina duvidasse que ele fosse levar aquilo em consideração.
Agora, o grande plano de Cristina para 2010 era mesmo o professor James Colbert.
Cristina se dedicara com mais afinco ao vestibular que passara justamente porque descobrira que ele era professor substituto daquela universidade. Isso acontecera pouco depois dele ser efetivado a professor efetivo no colégio depois, pode-se dizer com eufemismo, do desaparecimento do professor Otávio (Tânia ficara inconsolável). Esses eventos a estimularam a mudar de faculdade. Não naquele momento, claro. Ela já tinha se inscrito para Ciências Sociais e era ali que ela começaria. Mas sempre se poderia mudar. E ela faria isto no segundo período. Indo para História.
Lógico que seria História. Era até suportável, e ela descobrira que poderia tranquilamente fazer faculdade daquilo. Acidentalmente, o professor James acabara servindo quase como um teste vocacional. E, importante: Ciências Sociais ficava no mesmo prédio de História. Se ela perdesse algumas aulas para assistir ao professor James, bem, dane-se. Ele era a prioridade.
- Cristina.
Cristina tomou um susto e se virou. Era Olga.
- Precisamos conversar – continuou ela.
- Sobre o quê?
- O que pode ser meu assunto com você, Cristina?
Cristina não disse nada. O vento assobiava forte perto delas. Ninguém ouviria o que estavam falando.
- Pretende fazer o quê com ela?
Cristina deu de ombros, se endireitou e resolveu parar de bancar a cínica.
- Não sei – disse ela, despreocupada, olhando por cima do ombro para o mar - Depende se você se comportar.
Olga se enrijeceu de fúria.
- Se comportar? Eu nunca fiz nada para você!
- Fala baixo. O que você fez ou não fez não importa agora... só que eu tenho a foto, sabe.
- Onde está?
- Por que exatamente eu te contaria?
Olga respirou fundo, evidentemente controlando sua raiva.
- O que você quer, Cristina? Presumo que tenha algum objetivo.
Sim, pegar o seu namorado, pensou Cristina levianamente, e descartou o pensamento.
Talvez tenha sido naquela hora que Cristina começou a ficar exaltada demais. Tão exaltada que não percebeu que Olga se aproximava de um estado perigoso de fúria.
- Vaza.
Olga só olhou para ela.
Miguel saiu da cobertura pela porta da varanda para fumar do lado de fora. Novidade, ele agora fumava. Isso era tão fora de moda. Tão pouco sexy. A poucos metros das duas, ele deu um tchauzinho. Elas acenaram de volta.
- Exatamente o que você ouviu – respondeu Cristina, sorrindo – Vaza da minha vida.
- Ou então...
- Eu poderia dizer que a rainha Teresa nunca mais vai te olhar com os mesmos olhos. E você sabe que é a opinião dela que importa.
Olga não disse nada.
- Quer me tirar do caminho, Cristina?
- Explicou bem.
Olga deu uma risadinha e estalou os dedos da mão esquerda.
- Bem, tente de novo.
A próxima coisa que Cristina percebeu foi o soco.
Ela caiu batendo o queixo com força no chão. Mal havia se recuperado e Olga já estava puxando seus cabelos para virá-la de frente. Foi quando se sentou em cima dela e acertou uns bons três ou quatro tabefes na cara.
Foi nesse momento que Miguel reapareceu.
- Olga, o que você...
- Sai daqui, Miguel!
Mas a distração fora suficiente. Cristina conseguiu derrubar Olga e foi pra cima dela. Acertou um soco no olho.
Foi durante algum desses eventos que alguém dentro da cobertura percebeu a briga e espalhou a notícia. Segundos depois, uma multidão vinha para a varanda.
E Cristina e Olga se estapeando.
Então o puxão, e as duas foram separadas e levantadas. Maurício puxou Cristina e Miguel puxou Olga, as duas ainda dispostas a brigar. A blusa de Olga toda rasgada.
E Teresa chegou.
- Mas o que está acontecendo? – inquiriu ela com um tom de voz tão delicado quanto uma britadeira ligada.
- Eu não sei! – disse Miguel, que parecia meio desesperado tendo que se desviar das unhas de Cristina, que estava tentando arranhar Olga – Elas estavam conversando, depois começaram a se estapear!
Naquele instante, começaram os fogos. 2010. Algumas pessoas se distraíram.
Cristina ainda rosnava de tanto ódio e tentava arranhar Olga, que se desviava, sentindo uma mistura de raiva e humilhação ferver dentro dela ao perceber que sua vantagem fora totalmente anulada por aquela surra. Agora, pensou enquanto rangia os dentes, o que sentia não era mais uma implicância gratuita. Definitivamente, não. Agora era ódio, um ódio de verdade.
Teresa olhou primeiro para Olga. Depois para Cristina.
- Lá dentro – decidiu ela.
Teresa andava como um coronel diante das tropas quando estava aborrecida, com as mãos atrás das costas e cabeça levemente abaixada.
- Mesmo se eu quisesse – começou ela diante das duas, sentadas no sofá de couro – vocês não me contariam o que aconteceu. Mas não importa.
As duas, num acordo tácito, caladas.
- Não me importo com qualquer picuinha que vocês tenham – prosseguiu ela, parando de andar – A única coisa que me importa que vocês me envergonharam. Marcaram minha festa com um barraco digno do subúrbio.
Fez uma pausa e se virou para encarar as duas garotas caladas.
- Eu não quero nunca mais que vocês façam isso numa festa que pertence a mim – determinou ela, a voz chispando de irritação - Aliás, eu não quero nunca mais que vocês briguem na minha frente.
Agora Cristina percebera o quanto estivera enganada a respeito de Teresa Resende. Essa era uma mulher de fibra, não só uma simples perua sentimental com vários complexos.
Consequentemente, mais difícil de lidar. Cristina estremeceu só de pensar.
- Agora se abracem – ordenou Teresa, cruzando os braços.
As duas se entreolharam, e quando perceberam que não tinha jeito mesmo, se abraçaram com relutância. Quando acabaram, Cristina limpou as mãos no sofá com discrição.
- Ótimo – aprovou Teresa – Continuem assim.